sexta-feira, 17 de maio de 2013


A RELAÇÃO DOS BEATLES COM O CAVERN CLUB

Em 1957, a banda de skiffle de John Lennon, o Quarrymen, estava em busca de apresentações e decidiram nomear Nigel Walley, amigo de infância de John, como empresário do grupo. Durante o dia, Nigel trabalhava como aprendiz de golfista profissional. No clube de Lee Park ele conheceu um médico chamado Sytner e acabou descobrindo que seu filho, Alan, estava prestes a inaugurar um clube de jazz no centro de Liverpool. As instalações ficavam no porão de um antigo armazém de frutas e verduras em Mathew Street e iria se chamar The Cavern. Alan Sytner concordou em agendar o Quarrymen para uma apresentação em companhia de outros grupos locais. Logo em seu primeiro contato, o Cavern se revelou um ambiente completamente hostil, com fervorosos fãs de jazz. Eles costumavam tolerar o skiffle, por sua semelhança com o blues e o folk, mas eram fielmente contra o rock. Porém, apesar da divulgação como um grupo de skiffle, John insistia em seus números de Elvis e Fats Domino, que provocavam um silêncio repugnante vindo da platéia. Nada conseguiu conter John, a não ser um bilhete urgente vindo da direção do clube em que dizia: “Corte essa porra de rock”.
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Apresentação de jazz no Cavern em 1957
Quando a década de 1960 começou, os lucros do Cavern começaram a cair e Alan Sytner decidiu transferir o negócio para o contador da família, Ray McFall, um metódico homem de negócios. Apesar de não simpatizar muito com o rock’n’roll, McFall percebeu o ritmo e sua efervescência juvenil a tempo, e em agosto de 1960, enquanto os Beatles excursionavam pela Escócia com Johnny Gentle, o Cavern apresentou suas primeiras beat sessions, com os requisitados Rory Storm and the Hurricanes e Gerry and the Pacemakers.
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Paul, John e Cynthia Lennon com Ray McFall
Visando a ascensão do rock e preocupado em manter o público do jazz, McFall encontrou uma maneira de acomodar ambos os gêneros sem que seus respectivos admiradores precisassem se cruzar. A Mathew Street, rua do Cavern, ficava na zona comercial de Liverpool, a um minuto a pé de ruas movimentadas como a North John Street e Whitechapel. As jovens funcionárias de escritórios e lojas, que eram o principal público dos grupos beat, invadiam a região na hora do almoço, olhando as vitrines das lojas ou comendo sanduíches nos degraus de monumentos vitorianos. Ligando todos os pontos do guia dos negócios, McFall marcou as sessões beat para a hora do almoço no Cavern, da uma às duas da tarde.
almoço
Fãs esperando a apresentação dos Beatles no Cavern no horário de almoço
Mona Best – mãe de Pete, até então o baterista dos Beatles –, como a agente do grupo, havia recomendado a banda do filho para McFall logo depois de retornarem de Hamburgo. No início de 1961, Bob Wooler foi contratado como mestre de cerimônias e disc-jóquei residente do Cavern, e passou a insistir com seu novo empregador para que contratasse os Beatles. Devido a compromissos marcados da banda, eles não poderiam tocar nas noites de quarta-feira – único horário disponível para as sessões beat – e a saída que McFall encontrou fora marcar os Beatles para as sessões na hora do almoço nos dias de semana. O horário do meio-dia estava quase sempre desocupado porque muitos músicos de bandas tinham outros empregos das nove às cinco em fábricas ou escritórios. Para John, George, Pete e Stu não havia nenhum problema com trabalho, mas para Paul McCartney foi um complicado momento de escolha, que poderia ter resultado na inexistência de músicas como Yesterday, Hey Jude e tantas outras da música pop. Paul tinha um precioso emprego na firma de bobinas elétricas Massey and Coggins, onde fora selecionado como alguém com potencial de gerente e trabalhava no escritório com um salário de sete libras semanais. Ausentar-se durante três horas diariamente – uma para montar os instrumentos, uma para tocar e uma para guardar tudo – poderia comprometer seriamente seus planos de músico. John reagiu ao dilema de Paul com pouca compreensão. “Eu sempre lhe dizia: ‘Encare o velho, mande ele se foder. Ele não pode bater em você… é um velho’”. Mas Paul não se preocupava apenas com seu pai, ele achava que tocar no Cavern poderia arruinar suas perspectivas na Massey and Coggins, o que causou uma grande revolta em John. “Eu disse a ele pelo telefone: ‘Se você não vier, está fora’. Assim, ele teve que tomar uma decisão entre seu pai e eu, e, no fim, me escolheu”.
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A julgar pelo baixo padrão de condições sanitárias e segurança, o Cavern jamais poderia ter existido. Como porão de um armazém que abrigava frutas e queijos em trânsito das docas, seus recursos como local de diversão praticamente não existiam.  Depois de entrar por uma estreita porta na Mathew Street e descer dezessete degraus de pedra, chegava-se até um espaço que não media mais do que quinze metros por dez, limitado por paredes de tijolos vermelhos e dividido por três naves com abóbadas. Não havia aquecimento mecânico, ar-condicionado ou exaustores, nenhum limite no número de pessoas admitidas, nenhum alarme de fumaça, sistema anti-incêndio ou saídas de emergência.
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Situado na extremidade interna da nave central, o palco tinha pouco mais de meio metro de altura, e acima dele um sarrafo de madeira cravejado de lâmpadas comuns de 60 watts eram a única iluminação do local. Atrás do palco havia apenas um camarim comunitário que era usado também como área de afinação dos instrumentos, de onde Bob Wooler (conhecido como “Mister Big Beat”) anunciava as atrações pelo sistema de som do clube e tocava discos de sua vasta coleção pessoal durante os intervalos. Os músicos usavam os mesmos banheiros dos freqüentadores, tão desagradáveis que a maioria – sobretudo as mulheres – achava mais aconselhável não sair de casa sem estar completamente “aliviada”.
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Quando o Cavern estava lotado, o que não era difícil de acontecer, o calor no salão de tijolos sem ventilação era assustador. Antigos freqüentadores lembram como, ao descer os dezessete degraus, o calor sufocante ia tomando conta aos poucos e logo se estava no caos completo. No interior havia múltiplos odores: o aroma azedo de vômito dos restos de queijo que se infiltrava pelas paredes do armazém, fumaça de cigarro, cheiro de suor, laquê, desinfetante, fungos, sopa de rabada e excremento de ratos. O calor e a vibração provocavam uma chuva de pequenos flocos que caíam do teto sobre os dançarinos, conhecida como a “caspa do Cavern”. Outra coisa comum era que moças e rapazes desmaiassem; quando isso ocorria no meio da platéia, a única maneira de fazer com que respirassem ar puro era passá-las como trouxas deitadas por cima das cabeças de todo mundo.
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A primeira apresentação dos Beatles na hora do almoço no Cavern aconteceu numa quinta-feira, 9 de fevereiro, em troca de um cachê de cinco libras. Logo depois da apresentação, Ray McFall contratou os Beatles como o grupo residente do clube para as horas de almoço, juntamente com o Gerry and the Pacemakers. Apesar de todo o sucesso dos Beatles e dos grupos beat que lá tocavam, a noite era um horário principalmente reservado ao jazz tradicional. McFall não queria afastar de vez os fiéis freqüentadores e acabou deixando os jovens fãs de rock’n’roll desiludidos. Nos fins de semana, o clube recebia os tradicionais grupos de jazz e nas terças, única noite além de quarta em que o lugar funcionava, o Cavern apresentava o Bluegenes, grupo que tocava uma mistura de jazz e rock com um antiquado contrabaixo acústico. Apesar da desilusão de John em relação às noites do Cavern, não houve problemas com o outro grupo residente dos shows na hora do almoço, o Gerry and the Pacemakers. John e o Gerry se conheciam desde os tempos escolares. Apesar de toda rivalidade em cima do palco, eram grandes amigos fora dele. 
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Foi assim que a estreita e deserta Mathew Street, com seu calçamento de pedras arredondadas, começou a ser tomada por uma inusitada movimentação durante o dia. Ao meio-dia, de segunda a sexta, uma imensa fila subdividida em fileiras de quatro pessoas rapidamente se formava diante da entrada em forma de alçapão do Cavern, estendendo-se por uns oitenta metros, passando por armazéns, caminhões de entrega e engradados de frutas empilhados, até a esquina com a Whitechapel. Apesar da quantidade e da excitação, tudo ocorria de modo pacífico e organizado. Tudo era comandado por um único porteiro do lado de fora e, dentro, não havia nenhum tipo de “segurança”. O ingresso custava um xelim para os sócios e um xelim e meio para os não-sócios. Nenhuma bebida alcoólica era servida nas horas de almoço ou à noite, apenas café e refrigerantes. 
Fila para o Cavern na Mathew Street
Fila para o Cavern na Mathew Street
Todas as importantes bandas de Liverpool contavam com seus próprios seguidores. Mas a partir de fevereiro de 1961, quando os Beatles começaram a tocar diariamente no Cavern, suas fãs exibiam características de um autêntico movimento. A cada apresentação, as vinte primeiras fileiras com cadeiras de madeira debaixo da abóbada central ficavam tomadas por seus penteados de colméia, suas saias-balão e seus olhos delineados por rímel. Antes de cada apresentação, como todos os outros Beatles, John recebia um dilúvio de telefonemas pedindo-lhe para tocar certas músicas ou dedicar certas canções. E, depois de tocar, todos os cinco tinham à sua escolha um verdadeiro banquete humano, mais ousado ainda do que tinham conhecido em Hamburgo. “Um dia entrei na minha perua depois de apanhá-los, mas ela não conseguia andar”, recordou Neil Aspinall. “As rodas da frente estavam se levantando do chão. Quando fui ver e abri a porta traseira, haviam dezoito garotas lá com eles”.
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Os Beatles em frente ao Cavern
Mas os Beatles no Cavern não eram apenas coisa de garotas. Jovens que anteriormente ficavam furiosos com suas namoradas pelo interesse por músicos pop, agora se entregavam ao mesmo fascínio, ainda que de uma forma mais contida e reservada. Numa época de crescente conscientização masculina da moda, os rapazes ficavam intrigados com a roupa toda em couro preto dos Beatles e suas botas de cowboy e vasculhavam as limitadas lojas de roupas masculinas de Liverpool em busca de um estilo parecido. No Cavern, as apresentações dos Beatles estavam longe do profissionalismo: enquanto tocavam, tragavam cigarros, bebiam refrigerantes na garrafa, faziam piadas internas, puxavam conversa com amigos na platéia. Quando, como acontecia com freqüência, os precários pontos de eletricidade ficavam sobrecarregados e silenciavam os amplificadores, John e Paul reproduziam um esquete dos comediantes Morecambe e Wise, uma cena do Goon Show, ou então cantavam o jingle do anúncio na TV do pão de forma Sunblest.
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A tia Mimi ainda não fazia nenhuma idéia de como John passava seus dias, acreditando que tivesse se rematriculado ao voltar de Hamburgo. Porém, as suspeitas de Mimi foram despertadas quando grupos de garotas passaram a freqüentar o portão da frente de Mendips, casa em que John morava com Mimi. “Então soube que John fora visto tocando com os Beatles naquele lugar cavernoso”. Furiosa por ter sido enganada por tanto tempo, ela decidiu pegá-lo em flagrante no Cavern e convocou suas irmãs Nanny e Harrie para proporcionarem apoio moral. “Fiquei chocada. Nunca tinha visto um lugar como aquele”, ela lembrou. “Era como um celeiro. O homem na porta me disse: ‘A senhora não pode entrar aí’. Eu disse a ele: ‘Claro que eu posso, sou a tia de John, Mimi’. Tive de tomar cuidado para não escorregar nos degraus, eram tão íngremes, e estava muito escuro. Não conseguia enxergar no começo, mas aí pude vê-lo no palco. Nunca tinha ouvido tanto barulho. Aquilo não era música para mim… só barulho. Eu observei cabriolando. Não achei nada divertido. Estava furiosa. Queria arrastá-lo para fora do palco pela orelha”. John, por sua vez, se assustou quando avistou, em meio à penumbra do Cavern, três de suas tias com os costumeiros casacos, chapéus, bolsas de couro e guarda-chuvas, sentadas na fila da frente entre as garotas. “Ele começou a cantar como fez aquele dia na festa da igreja”, recordou Mimi. “’Oh-oh, Mimi está aqui…’. Eu disse a ele tudo o que pensava depois do show. Fiquei furiosa porque ele devia estar estudando na faculdade de arte, e não tocando num lugar daqueles. Achei que estava se expondo ao ridículo”.
Queue in front of the famous "cavern-club" in Liverpool 1964
O Cavern foi essencial para a carreira dos Beatles, onde tocaram 292 vezes. Foi lá que começaram a conquistar a Inglaterra, aprimorar suas técnicas e onde conheceram Brian Epstein, que se tornaria o empresário que os ajudou a chegar ao topo do mundo. Em 1966, o clube fechou suas portas por não conseguir saldar suas dívidas. Depois de fechado, empresários brigaram por ele até ser vendido para Joe Davey e reaberto ainda em 1966. O Cavern ficou aberto até 1973, quando foi fechado definitivamente. Dois meses depois, foi demolido para a construção do circuito ferroviário Merseyrail. Em abril de 1984 foi anunciada a abertura de um novo Cavern. Mais de 15.000 tijolos foram conservados da demolição do antigo Cavern e usados na reconstrução dos arcos e abóbadas. Desde então o clube vem funcionando normalmente, sendo um dos lugares mais visitados de Liverpool, principalmente na Beatleweek.

FONTE: 
Beatlepedia

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