Postarei a história em partes ok.
Este na foto é o livro.
HISTORIA
DOS FAB FOUR – “THE BEATLES”.
INFORMAÇÕES SOBRE O LIVRO
THE BEATLES DO CIRCULO DO LIVRO DE 1982.
Amigos hoje darei inicio a história do livro dos Beatles
nessa página que fui convidada a fazer o que mais amo, espero que venham
curtir, como já curtem em meu grupo e página, já li a muito tempo atrás, com
certeza muitos já conhecem a história dos Fab Four, mas tem pessoas que gostam
de ler sobre eles e há aquelas que não sabem, ganhei esse livro em 1982 é do
Circulo do Livro, tenho certeza que alguém conhece esse livro, postarei junto a
essa mensagem a foto do livro, escreverei algumas coisas sobre ele que acho ser
informações importantes – “ Circulo do Livro S.A. – Edição Integral – Titulo do
Original: “THE BEATLES” – Copyright 1980 by Rolling Stone Press – Copyright da
introdução 1980 by Leonard Bernstein – Tradução: Fernando Nuno e Silvana Salerno
– Licença Editorial para o Circulo por cortesia da Companhia Melhoramentos de
São Paulo – Consultoria: Marianne Partridge – Diagramação: Beafeitler e Carl
Barile – Arte da Capa: Andy Warhol 1980 – Fotos: Dezo Hoffmann – Composto Pela Linoart
– Iimpresso e Encardenado pela Melhoramentos “
HISTORIA
DOS FAB FOUR – “THE BEATLES”.
- Parte 1
O QUE ESCREVEREI AGORA É
ALGO QUE FOI ESCRITO POR "MAURICIO KUBRUSLY" NO LIVRO -
"BEATLES: ainda e sempre, a mágica.
Março de 1963/maio de 1970. Duas datas: na primeira, o LP Please please me, o primeiro; na segunda, o disco de despedida, Let it be. No arco que une as duas , a corda da música popular permaneceu sempre tensa, em todo o mundo. Porque foi então que aconteceu a mágica dos Beatles.
Março de 1963/maio de 1970. Duas datas: na primeira, o LP Please please me, o primeiro; na segunda, o disco de despedida, Let it be. No arco que une as duas , a corda da música popular permaneceu sempre tensa, em todo o mundo. Porque foi então que aconteceu a mágica dos Beatles.
Agora, mais de uma década
depois, todos continuam a olhar para trás com saudade. O mais natural, é claro,
é associar cada disco, cada faixa, a um determinado momento bom que ficou
espetado na memória - até o maestro Leonardo Benstein, da Filarmônica de Nova
York, faz isso, aqui na introdução que assina e onde confessa o óbvio: ele também
é fã, a estória é muito antiga, banal - ela se volta para ele e diz:
"Olha, meu amor, estão tocando a nossa canção". E pelo mundo a fora,
talvez naquele preciso momento milhares de pessoas digam exatamente a mesma
coisa. E o tal "nossa canção" se torna particular, exclusivo, para
cada um que ouve, lembra, se emociona. É a mágica dos Beatles.
CONTINUANDO POR
"MAURICIO KRUBUSLY" - " Mas com eles - surpresa - a coisa se
revela mais ampla ainda. A lógica diz que apenas uma determinada geração
deveria eleger os Beatles como trilha sonora, como aconteceu com a melhor fase
de Frank Sinatra ou Elvis Presley, por exemplo.
Só que todo mundo sente saudades dos Beatles, do maestro Leonardo Bernstein (confira sua idade - ele mesmo faz questão de revelar ) aos adolescentes que até hoje compram e se deliciam com "Sgt. Pepper's ou Abbey Road, sem falar no vovô e na vovó, os pais da juventude dos anos 60. Todos, absolutamente todos, rendidos à mágica dos Beatles.
Só que todo mundo sente saudades dos Beatles, do maestro Leonardo Bernstein (confira sua idade - ele mesmo faz questão de revelar ) aos adolescentes que até hoje compram e se deliciam com "Sgt. Pepper's ou Abbey Road, sem falar no vovô e na vovó, os pais da juventude dos anos 60. Todos, absolutamente todos, rendidos à mágica dos Beatles.
“No Brasil, essa
imortalidade está pulsando cada vez mais. Já foram compostas mais de duas
dezenas de canções falando dos Beatles, sonhando com a volta impossível.
Algumas homenagens, é certo, são bem compreensíveis – como a de Caetano Veloso
em 1975, ao reproduzir a capa de Let it be no brasileiríssimo Qualquer coisa.
Afinal, Caetano acompanhou bem de perto toda essa paixão – ele até vivia em
Londres no final dos anos 60. Mas, e o pessoal do grupo 14 Bis? Na primeira
faixa do primeiro disco, editado em 1979, ele se confessam ”perdidos em Abbey
Road”...
Quando Paul McCartney deu
a sua famosa entrevista – em 10 de abril de 1970, confirmando o fim ( e o
principal dela está aqui no livro também ) - , a turma do 14 Bis não deveria
ter sequer vinte anos. E deve ser precisamente essa a idade média dos garotos do
grupo Fogo Fátuo hoje (amigos(as) isso em 1982 ). Portanto, quando os Beatles
chegavam ao fim, eles não tinham sequer dez anos. Mesmo assim, a primeira faixa
do primeiro disco deles falam de...”lágrimas de saudades dos Beatles”.
É a mágica, o encanto de um grupo que permanece imóvel, suspenso numa cápsula à prova de tempo. E não adianta reunir explicações, não importa a partir de qua ângulo – musical, sociológico ou de qualquer outra lógica. As canções dos Beatles, como o lance do mágico, brilham acima de qualquer arrazoado. Mas o que sempre esquecemos é que por trás desse brilho existiam quatro pessoas. E é isso o que este livro mostra muito bem – além das canções, isto é, da mágica, é claro”.
POR MAURICIO KUBRUSLY / JULHO DE 1982.
É a mágica, o encanto de um grupo que permanece imóvel, suspenso numa cápsula à prova de tempo. E não adianta reunir explicações, não importa a partir de qua ângulo – musical, sociológico ou de qualquer outra lógica. As canções dos Beatles, como o lance do mágico, brilham acima de qualquer arrazoado. Mas o que sempre esquecemos é que por trás desse brilho existiam quatro pessoas. E é isso o que este livro mostra muito bem – além das canções, isto é, da mágica, é claro”.
POR MAURICIO KUBRUSLY / JULHO DE 1982.
Mais um pouco do livro.
Parte 2
POR LEONARDO BERNSTEIN /
9 DE OUTUBRO DE 1979.
"Certa vez, há mais ou menos um ano (ou terá sido há quatro anos? será que não foi no mês passado? ), o pessoal da Rolling Stone me pediu para escrever um texto introdutório de uma 5000 palavras para uma obra definitiva sobre THE BEATLES. Topei na hora; mas isso foi na hora, e agora eis-me aqui arranjando palavras para fazerem o papel, aliás de forma inadequada, do tal texto introdutório...
"Certa vez, há mais ou menos um ano (ou terá sido há quatro anos? será que não foi no mês passado? ), o pessoal da Rolling Stone me pediu para escrever um texto introdutório de uma 5000 palavras para uma obra definitiva sobre THE BEATLES. Topei na hora; mas isso foi na hora, e agora eis-me aqui arranjando palavras para fazerem o papel, aliás de forma inadequada, do tal texto introdutório...
"Me apaixonei pela
música dos BEATLES ( e, ao mesmo tempo, por aqueles quatro caras "cum
persone") junto com meus filhos, duas meninas e um garoto, ao descobrir
aquele falsete fabuloso gritado-sussurrado, aquela batida irresistível, a
entonação perfeita, as letras completamente novas, a torrente schubertiana de
invenção musical e a "nonchalance" tipo Danem-Se esses Quatro
Cavalheiros do Nosso Apocalipse. Jamie tinha doze anos, Alexander, nove, e
Nina, dois. Juntos nós vimos A Visão, em nossas formas inevitavelmente distintas
(eu tinha 46 anos!), mas vimos a mesma Visão, e ouvimos o mesmo
Pássaro-da-Manhã, Trombeta-do-Elefante, Fanfarra-do-Futuro. Que Futuro? Cá
estamos nós, quinze anos se passaram, aquilo passou. Porém, durante uma década
mais ou menos, ou ainda menos, aquilo permaneceu a mesma Visão-Clarim, cada vez
mais concluente e irrefutável, mais clara, mais amarga - e melhor...
..."Talvez o mais
claro, mais amargo ( e quem sabe melhor ) foi um disco chamado "REVOLVER (
pace Sgt. Pepper, Abbey Road et al.). Nesse álbum, a melhor coisa, talvez, era
uma musiquinha chamada "She said she said; pensar nela, lembar-se dela
traz imediatamente à memória toda a beleza daquelas Veias Varicosas
Vietnamitas. As notas cicatrizavam, a letra incomodava; ou talvez fosse vice-versa.
Mas alguma coisa incomodava, e alguma coisa cicatrizava, anos após ano, Rigby
após Rigby, Paperbak após Norwergian, talvez expressa às últimas consequências
na verdade vislumbrante e triste de She's leaving home...
"Enquanto isso,
aparecia um volume fino, de pura genialidade verbal de um ator novo, chamado
JOHN LENNON: in his own write. Como se isso não bastasse para lenda, ainda
havia as notas ( e a voz de sereia-sílfide) de um tal McCartney. Esses dois
formavam uma dupla que incorporou uma criatividade quase nunca igualada naquela
década feliz. Ringo - um ator-instrumentista adorável. George - um talento
místico irrealizado. Porém, John e Paul, São John e São Paul, eram, e fizeram,
e aureolaram, beatificaram e eternizaram o conceito que será sempre conhecido,
lembrado e profundamente amado como THE BEATLES...
"E, se os depois
foram simplesmente isso, os quatro foram O Todo. Essa interdependência deixava
atônito, chapava, às vezes dava pavor; vamos mesmo precisar disso tudo Quando
Tivermos 64 anos? Bem, hoje estou beirando os 64 (amigos(as) o ano é de 1979 ),
e três compassos de A day in the life bastam para me sustentar, rejuvenescer,
excitar meus sentidos e sensibilidades.
Nina, que tinha dois anos em 64, agora tem dezessete; e ainda na semana passada pegamos aquele livro grosso e infeliz de partituras maltiradas dos BEATLES para ficar relembrando no piano.Nós choramos, e demos pulos de alegria com as redescobertas ( She's a woman) - só nós dois, durante horas (Ticket to ride, A hard day's night, I saw her standing there)...
Isso foi a semana passada. Os BEATLES não existem mais. Mas esta semana ainda estou pulando, chorando, recordando uma época boa uma década de ouro, bons tempos, bons tempo....."
POR LEONARDO BERNSTEIN / 9 DE OUTUBRO DE 1979
Nina, que tinha dois anos em 64, agora tem dezessete; e ainda na semana passada pegamos aquele livro grosso e infeliz de partituras maltiradas dos BEATLES para ficar relembrando no piano.Nós choramos, e demos pulos de alegria com as redescobertas ( She's a woman) - só nós dois, durante horas (Ticket to ride, A hard day's night, I saw her standing there)...
Isso foi a semana passada. Os BEATLES não existem mais. Mas esta semana ainda estou pulando, chorando, recordando uma época boa uma década de ouro, bons tempos, bons tempo....."
POR LEONARDO BERNSTEIN / 9 DE OUTUBRO DE 1979
Parte 3
"THE BEATLES"
- TEXTO DE GEOFFREY STOKES - PREFÁCIO(QUE VOCÊS LERAM) DE LEONARD BERNSTEIN -
" Em qualquer parte, os adolescentes estão sempre á procura do novo; na cinzenta Liverpool, dez anos após a Segunda Gerra Mundial, essa busca era ainda mais premente. O sentido de um objetivo comum que ligara aquele porto do norte da Inglaterra a Londres durante a ameaça nazista já se havia diluído, e, com a volta do Partido conservador ao governo, a Inglaterra tinha voltado à sua respeitável normalidade.
" Em qualquer parte, os adolescentes estão sempre á procura do novo; na cinzenta Liverpool, dez anos após a Segunda Gerra Mundial, essa busca era ainda mais premente. O sentido de um objetivo comum que ligara aquele porto do norte da Inglaterra a Londres durante a ameaça nazista já se havia diluído, e, com a volta do Partido conservador ao governo, a Inglaterra tinha voltado à sua respeitável normalidade.
"A Liverpool
"respeitável" e "normal" era uma fortaleza do
provincianismo conservador, cujos teatros e restaurantes eram desengonçadas
imitações de seus equivalentes londrinos. Mas uma outra cidade fervilhava
dentro dessa: a da classe trabalhadora, dos galeses e irlandeses, e da política
trabalhista. Finalmente, o toque internacional era dado pelas ruas do porto,
onde ecoavam os sotaques de marinheiros de vários países. Essa mistura produzia
uma cultura por um lado provinciana e por outro cosmopolita.
" Até mesmo sua
música se desenvolvia à parte da de Londres, e "Maggie Mae", tributo
obsceno ao protótipo de prostituta da Lime Street, era como um hino dessa
Liverpool orgulhosa. E a massa inconstante dos marinheiros americanos que eram
o sustento das irmãs de Maggie também trazia sua própria contribuição musical.
Dessa forma, na Liverpool da classe trabalhadora despontavam dúzias de casas
noturnas dedicadas ao blues e à música country, em que músicos locais
ostentavam ternos reluzentes embaixo de suas Stetson importadas.
"Essas bandas - com
suas transcrições literais de discos trazidos por marinheiros americanos - eram
a fonte primária da informação musical em Liverpool. A BBC - British
Broadcasting Corporation - adotara com relutância as músicas do Tin Pan Alley,
mas a Liverpool trabalhadora - talvez por espírito de afinidade - adotou a
"outra" música americana.
" A luxuriante
invenção americana chamada "rock 'n' eoll" varreu essa Liverpool com
uma força que deixou Londres impassível. Entre os adolescentes não havia
discussão; rock 'n' roll era seu ou sua amante, seu salvador, sua fuga.
"Para eles, chocar o
respeitável não era tanto um ato político como uma alegre e despreocupada forma
de autodefinição. E, como a definição era de toda uma geração, os jovens
estavam com a razão: um rebelde é chicoteado; dois são chamados à ordem;
milhares formam uma cultura. Quando "Rock around the clock", de Bill
Haley, agitou as paradas de sucesso britânicas em Julho de 1955, John e Ringo
tinha 14 anos, Paul 13 e george 12.
" Por essa época,
John já vinha chocando a família há algum tempo. Nascido no outono europeu de
1940, com Liverpool sob intenso bombardeio, era filho de Fred Lennon, que se
encontrava no mar, trabalhando na marinha mercante. Logo depois , Fred voltava
do mar, para entrar na prisão como desertor. Embora ele fosse libertado poucos
meses depois, a mãe de John já encontrara outro homem e mandara o bebê para ser
criado por sua irmã casada, Mimi Smith. Firmemente estabelecido nos degraus
mais baixos da escada para a respeitabilidade, o tio George sustentava a
família entregando leite, enquanto a tia Mimi criava John. Ou pelo menos
tentava.
Parte 4
Apesar dos esforços de Mimi - e uma fascinação inata pelas palavras que o levou a começar a escrever "livros" aos oito anos -, John se destacou nas aulas de gramática, sobretudo por seus punhos. Chefiava uma quadrilha de pequenos valentões que furtavam artigos em lojas, tomavam conduções sem pagar e importunavam garotas. Mesmo assim, conseguiu entrar para a Quarry Bank High School, uma instituição ainda respeitável perto da casa de Mimi. Já no primeiro ano, um professor o surpreendeu fazendo desenhos obscenos, e John foi rotulado como perturbador da ordem - rótulo esse que ele carregava com crescente orgulho e obstinação.
“No segundo ano, tendo ele treze, sua caderneta trazia estas anotações:” Caso sem solução. Comporta-se como palhaço nas aulas. Está apenas roubando o tempo dos outros alunos". Nesse ano o tio George morreu, e Mimi caiu um pouquinho de nível, passando a alugar quartos da casa. Foi por essa época que a mãe de John entrou de novo em sua vida".
Julia Lennon desafiava vivamente as convenções de que sua irmã era escrava. Adorava uma platéia, e em John e seus turbulentos amigos encontrou um ótimo público. Em vez de condenar seus atos de rebeldia adolescente, como Mimi achava que ela devia fazer, Julia aproveitava as visitas que lhes fazia para incentivá-lo. (Um amigo de John recorda ter visto Julia a caminhar solenemente por uma rua cheia, com a roupa de baixo sobre a cabeça.) Foi ela quem comprou para John seu primeiro violão e lhe ensinou os poucos acordes que aprendera no banjo ".
O violão veio junto com a onda do skiffle - a música das jug-bands que assolou toda a Inglaterra em meados dos anos 50. O rei do skiffle, Lonnie Donegan, teve mais sucessos no primeiro lugar das paradas durante 1956 e 1957 que seu arqui-rival Elvis Presley. O sotaque pseudo-americano de Donegan levou Rock inland line e outros oito discos às paradas de sucesso britânicas, oferecendo uma música descomplicada e sem compromisso, muito mais fácil de imitar que o profissionalismo amplificado de Elvis.
“O skiffle, com sua percussão em tábuas de lavar roupa e contrabaixos de apenas uma corda, era, como o rock 'n' roll, uma afronta à música convencional. Qualquer um, é o que parecia, podia tocar skiffle. E quase todo mundo tocou.
No começo de 1956, John, armado com seu violão novo, recrutava colegas de escola para formar os Quarrymen, começando assim sua carreira musical”.
A demora ocorreu em parte porque os dois, John e Paul, frequentavam escolas diferentes, mas também porque John teve de decidir se queria se enturmar com alguém tão bom como ele - talvez até melhor. Em aproximadamente um ou dois meses começaram a compor juntos - canções bobas de amor, principalmente, com um forte sabor de Buddy Holly, mas a alquimia funcionava. Os Quarrymen começavam a se transformar nos Beatles."
" Ambos os grupos, entretanto, estavam bombeando de um poço seco, e nada tinham a dizer à juventude pós-Presley de Liverpool. Assim, quando Paul, com pouco mais de um ano nos Quarrymen, trouxe um colega mais novo de sua escola para participar dos ensaios com o grupo, George Harrison apresentou-se tocando uma música instrumental americana, o rock 'n' roll Raunchy."
"
Pouco a pouco esses ensaios vespertinos foram se tornando pequenos shows, pois
vários estudantes gazeteiros acabavam descendo as escadas para ouvi-los. Dessa
forma, Williams acabou dirigindo o primeiro dos beat clubs de Liverpool ( o
mais famoso deles, o Cavern Club, só iria se converter do jazz ao rock 'n' roll
alguns anos depois ), se tornou também o empresário do grupo, conseguindo para
eles apresentações em bailes e levando uma pequena porcentagem do que ganhavam.
Foi ele também quem arranjou o primeiro baterista mais ou menos regular do
grupo. Tommy Moore ".
Williams tinha sido atraído a Hamburgo um ano
antes, quando a banda de metais antilhana do Jac começou a lhe enviar relatos
entusiasmados de sua nova jurisdição. Mas a viagem só se concretizou em 1960,
quando Williams conheceu Bruno Koshmider, proprietário do Kaiserkeller, de
Hamburgo, que estava na Inglaterra à procura de uma banda de rock para tocar
nesse seu clube. Um acerto com Derry and the Seniors, um dos grupos agenciados
por Williams, acabara de ser cancelado, e ele estava afoito para arranjar
outras apresentações. Williams, bom de conversa, convenceu Koshmider a
contratar o deprimido Derry, que, desse modo, tornou-se o primeiro grupo de
Liverpool a tocar em Hamburgo ".
O sucesso foi arrasador - o negócio foi tão
bom que Koschmider imediatamente decidiu abrir outra casa noturna, voltando a
Liverpool para saber das novidades de Williams. Gerry and the Pacemakers não se
interessaram, e Rory Storm and the Hurricanes ( onde tocava o baterista Ringo
Starr ) já estavam contratados para uma temporada de verão numa estância de
férias - o trabalho acabou ficando para os Beatles. Só porque uma banda de
metais do Caribe foi certa vez a Hamburgo...só porque Williams foi na conversa
dessa banda...só porque uma série de shows de Derry and the Seniors foi
cancelada...só porque Koschmider estava em Liverpool...só porque Derry acabou
sendo um grande negócio para ele...só por isso, os Beatles deram o salto que
mudaria suas vidas para sempre ".
Numa cidade estrangeira, sem adulto
protegendo para lhes dar algum apoio atrás do palco, num lugar onde o ruído de
um punho contra a carne era o som mais comum, tinham de tocar ou fugir. Assim,
expandiram o repertório a jato, cantando, em geral pela primeira vez em
conjunto, qualquer canção que os quatro já conheciam, e que fossem clássicos do
rock 'n' roll.
" Tocavam Buddy Holly, Everly Brothers, Little
Richard, Carl Perkins, Conway Twitty, The Fleetwoods, Duane Eddy e, claro,
Chuck Berry. Quando
não sabiam a letra, inventavam, quase sempre introduzindo músicas de outros em
suas próprias melodias improvisadas ". " Num palco minúsculo de Hamburgo,
suando de medo e excitção, os Beatles reiventaram o rock 'n' roll. Eles eram a
primeira geração do rock - a única em que as explosões emocionais da puberdade
coincidiram com a revolução mundial chamada rock 'n' roll; em Hamburgo,
carregavam os sons proustianos dos anos 50 com a fúria mal-afiada das classes
baixas de Liverpool e uma exuberância de meninos-boêmios toda própria”.
Eles jamais teriam descoberto esse estilo em
Liverpool. Lá, viviam com suas famílias. Podiam sair para tocar à noite, mas
quando a música terminava voltavam à vida do lar. Em Hamburgo, a festa nunca
acabava.
No começo de 1956, John, armado com seu violão novo, recrutava colegas de escola para formar os Quarrymen, começando assim sua carreira musical”.
Parte 5
" Embora vivessem em
alojamento mantidos pelo governo, Jim e Mary Patricia McCartney experimentavam
uma tênue evolução em seu nível de respeitabilidade. Jim deixara a escola aos
catorze anos para trabalhar com um negócio de algodão, mas se tornara depois um
vendedor que já usava colarinho branco no trabalho; Mary Patricia era uma
parteira tarimbada. Os dois tinham ambições para os filhos - queriam que eles
chegassem à universidade - , e o mais velho, Paul, parecia corresponder aos
seus anseios ".
"Quando começou o
ginásio no Liverpool Institute, Paul se saiu bem, mas logo percebeu a grande
diferença entre as aspirações de seus amigos de escola e as de seus pais.
Começou então a se adaptar aos hábitos do lugar - cigarros, furtos em lojas -,
mas sua inteligência e seu dom natural para escrever ajudavam-no a levar o
curso com bom aproveitamento. Então, em 1956, quando Paul tinha catorze anos,
sua mãe morreu de câncer ".
O choque foi duplo. Além
da funda comoção que causou na família, sua morte a desequilibrou
financeiramente. Os negócios com algodão tinham caído tanto que ela passara a
ganhar mais que o marido; este ficou com dois moleques para criar e um salário
de apenas 8 libras por semana. Porém, de algum modo, ele conseguiu se virar
para arranjar as 15 libras que custou o violão de Paul.
" Paul já brincava
de músico antes da morte da mãe, e aprendera a tocar pistão sozinho. Sempre
houvera música na casa dos McCartney; antes de os meninos nascerem, Jim passava
as madrugadas tocando piano com sua banda nos bailes da cidade. Mas Paul não
apreciava a música de baile; como quase todos os da sua idade, estava seduzido
pelo skiffle. Essa mania se espalhou quando Paul tinha catorze anos, e ele se
lembra de ter ficado uma hora de almoço à porta de um teatro só para ver Lonnie
Donegan. Nesse meio tempo, o canhoto McCartney aprendera a inverter as cordas
do violão e já pegava os acordes de Elvis quando este começava a ombrear com
Donegan nas paradas ".
" Paul mergulhou em
todos tipos de rock americano (suas versões de Little Richard aparecem nos
primeiros discos dos Beatles). Embora não fosse um "Ted" de corpo e
alma, começou a adotar esse estilo de adolescente briguento de rua - ajustou as
calças no melhor estilo Teddy Boy e passou a pentear os cabelos à moda
Pompadour de Tony Curtis. Das cinzas da morte de sua mãe, criou-se um novo
Paul: um guitarrista vaidoso cujo objetivo principal não era mais a
universidade, mas as garotas. Costumava ir assistir à apresentação dos
Quarrymen no salão paroquial da Igreja de Woolton para ver se encontrava alguma
bela garota na platéia ".
" Em vez disso, Paul
encontrou John. Na biografia oficial por Hunter Davies, Paul recorda ter - se
juntado aos Quarrymen após uma apresentação. "Mostrei a eles como se
tocava Twenty flight rock e ensinei a letra(...) Lembro de um cara velho cheio
de cerveja se aproximando e respirando bem no meu pescoço enquanto eu tocava.
"O que quer esse bêbado?", pensei. Então ele disse que Twenty flight
rock era uma das suas preferidas. Aí vi que ele entendia da coisa."
Mais ou menos uma semana
depois, através de um amigo comum, aquele velho bêbado e entendido em música
convidou Paul para entrar no grupo."
A demora ocorreu em parte porque os dois, John e Paul, frequentavam escolas diferentes, mas também porque John teve de decidir se queria se enturmar com alguém tão bom como ele - talvez até melhor. Em aproximadamente um ou dois meses começaram a compor juntos - canções bobas de amor, principalmente, com um forte sabor de Buddy Holly, mas a alquimia funcionava. Os Quarrymen começavam a se transformar nos Beatles."
- " O som acústico,
sem amplificação, e a técnica primitiva eram do skiffle, mas o repertório tinha
uma grande influência do rock 'n' roll. Essa mudança foi em muito devida às
preferências pessoais; afinal, a primeira música que John aprendeu a tocar no
violão foi "That'll be the day", de Buddy Holly. Mas foi também uma
reação ao estado de dissolução da tradição musical popular da Inglaterra. Ao
mesmo tempo que Holly se afirmava, a música, como um todo, enveredava pela
crise de "relevância" que iria dividir o folk americano sete anos
mais tarde. Uma tendência buscava conservar a tradição folk viva escrevendo
novas canções em modos harmônicos seculares, ao passo que os skiffles mais
radicais cantavam apenas as canções tradicionais."
" Ambos os grupos, entretanto, estavam bombeando de um poço seco, e nada tinham a dizer à juventude pós-Presley de Liverpool. Assim, quando Paul, com pouco mais de um ano nos Quarrymen, trouxe um colega mais novo de sua escola para participar dos ensaios com o grupo, George Harrison apresentou-se tocando uma música instrumental americana, o rock 'n' roll Raunchy."
" John e Paul, ao
trabalharem suas fantasias justapostas, não conseguiam dar-lhes o máximo de
vigor; George veio trazer a força que faltava. Antes de, finalmente, conseguir
um emprego como motorista de ônibus, seu pai recebera o salário-desemprego por
mais de um ano; a mãe se virava com os trocados que ganhava trabalhando como balconista
de meio período numa quitanda das redondezas."
Parte 6
“George era, dos quatro
filhos, o único que sobrevivera ao processo de expulsões de escolas,
continuando a estudar: entrara para o Liverpool Institute um ano depois de
Paul. Porém, mais interessado em roupas que na escola, fazia-se notar mais
pelos jeans apertados e a gíria que usava. Era a baixa Liverpool em sua
integridade - nenhuma tia Mimi tinha jamais lapidado seu vocabulário.
Embora os Harrison nunca tivessem muito dinheiro, quando George caiu sob a influência de Lonnie Donegan sua mãe conseguiu reservar 3 libras para comprar o primeiro violão. E ela também ficava acordada até tarde, estimulando-o quando ele achava que jamais conseguiria aprender a tocar”.
Embora os Harrison nunca tivessem muito dinheiro, quando George caiu sob a influência de Lonnie Donegan sua mãe conseguiu reservar 3 libras para comprar o primeiro violão. E ela também ficava acordada até tarde, estimulando-o quando ele achava que jamais conseguiria aprender a tocar”.
Em comparação com os
padrões de vida das famílias dos outros Beatles, os Harrison não tinham por que
temer a fascinação de George pela música; embora quisessem que ele estudasse
mais, reconheciam sua crescente habilidade musical pelo feito que isso
constituía. Mas mesmo eles ficaram um pouco preocupados quando as incursões do
rapaz pelo rock 'n' roll tornaram seu violão obsoleto. No entanto, assim que
ele os convenceu de que precisava de um instrumento elétrico, gastaram 30
libras para comprá-lo”.
”Ele
agora tocava guitarra sem parar, deixando de lado as lições da escola. Para
John, a música era apenas mais uma saída para o incontível talento que ele já
fazia transbordar pelas telas na escola de arte; para Paul, era uma forma de se
redefinir após a morte da mãe, que tanto o abalara. Para George, a música
era...
No entanto, havia dúvidas sobre se George se encaixaria bem nos Quarrymen, John estava explorando "la vie bohema" do Liverpool Art College, e George era um Ted mal-ajambrado e de dentes tortos, com quinze anos. Mas ele sabia tocar - talvez até melhor que Paul - e, com a guitarra nas mãos, se superava. Ao aceitá-lo no grupo, Paul e John assumiam que tocar bem significava mais do que falar bem. Com ele, três quartos dos Beatles já estavam formados”.
No entanto, havia dúvidas sobre se George se encaixaria bem nos Quarrymen, John estava explorando "la vie bohema" do Liverpool Art College, e George era um Ted mal-ajambrado e de dentes tortos, com quinze anos. Mas ele sabia tocar - talvez até melhor que Paul - e, com a guitarra nas mãos, se superava. Ao aceitá-lo no grupo, Paul e John assumiam que tocar bem significava mais do que falar bem. Com ele, três quartos dos Beatles já estavam formados”.
Em 1958, quando George se
tornou um dos Quarrymen, pululava nas paradas de sucessos um tipo de música
maravilhosamente exuberante (e despreocupada) que ia direto ao coração dos
jovens. Buddy Holly teve quatro canções - Rave on e Peggy Sue entre elas - nas
paradas de sucessos daquele ano a Grã-Bretanha; os Everly brothers tiveram
duas; Fats Domino, Little Richard e Jerry Lee Lewis, uma cada; e Elvis, seis.
Mas uma contra-resolução também nesse ano, e Cliff Richard, a resposta inglesa
a Pat Boone, apareceu pela primeira vez - o que iria acontecer muitas vezes
depois - nas paradas”.
Sem
sombra de dúvidas, os Quarrymen sabiam muito bem de que lado estavam. Eles nada
sentiam, a não ser desdém, pelo bem-educado e religioso Richard. O rock 'n'
roll - a música deles - não era bem-educado, não era quadrado, não era nada que
pudesse cair nas boas graças da BBC. No entanto, isso não os impediu de
"adotar" uma das canções de Cliff Richard quando Paul o viu tocar na
televisão, e esse recurso eclético a estilos diferentes e até opostos iria se tornar
uma das marcas registradas dos Beatles”.
Amigos (as) mais um pouco
da história para vocês.
Parte 7
1958 se foi, e os
Quarrymen – John, Paul, George e quem quer que pintasse no momento –
desenvolveram seu trabalho a ponto de conseguir umas apresentações pagas. Umas
poucas mesmo. Mas George saiu da escola e se tornou aprendiz de eletricista.
Essa nova habilidade ajudou-os a conseguir amplificadores, e bem depressa o
skiffle ficou para trás. Eram, agora, uma
banda de rock. Mas sem baixo e sem baterista.
" O baterista era um
problema crônico, principalmente porque, como lembra John, "muito pouca
gente tinha bateria; era um instrumento caro".Mas uma solução - até certo
ponto - para a questão do baixo foi encontrada entre os colegas de John na
escola de arte. Dessa turma de individualistas rebeldes, morando em quitinetes
alugadas de Liverpool, Stuart Sutcliffe era presumivelmente o mais talentoso.
Também curtia música e gastava muito do tempo em que não estava pintando ao
lado da banda que se aperfeiçoava. Quando um de seus quadros ganhou um prêmio
de 60 libras na prestigiosa exposição de John Moore, foi convencido a gastar o
dinheiro num contrabaixo elétrico. Assim, embora não soubesse tocar, tornou-se
imediatamente membro do conjunto ".
George ensinou alguma
coisa a Stuart, mas o principal da educação musical deste veio dos ensaios
diários. Muitos dos que viram o grupo nos seus tempos de Johny and Moondogs ( a
ligação com Quarry Bank High School já tinha acabado ) pensaram logo no
Sutcliffe como uma espécie de réplica enigmática de James Dean. Essa imagem era
reforçada pelo seu costume de ficar de costas para o público durante as
apresentações - um costume que tinha menos a ver com mistérios que com sua
justificada vergonha por saber tocar apenas nas harmonias mais simples ".
" No entanto, foi
Sutcliffe quem apresentou Allan Willian ao grupo. Willian, um bom (excelente!)
copo, era um dos expoentes da vida noturna de Liverpool, onde operava um bar, o
Jacaranda Club. O Jac, que oferecia aos fregueses sanduíches de toicinho, café
e uma banda de metais do Caribe, era um ponto de encontro dos proto-hippies de
Liverpool, entre os quais estavam, naturalmente, Stuart Sutcliffe e John
Lennon. Por influência de Stuart, Willian deixou que o grupo fizesse seus
ensaios na sua adega durante as tardes. Ele fornecia também alguns sanduíches e,
como o dinheiro do pessoal andava sempre curto, pagou-lhes uma vez para que
limpassem e pintassem o banheiro das mulheres".
"
Pouco a pouco esses ensaios vespertinos foram se tornando pequenos shows, pois
vários estudantes gazeteiros acabavam descendo as escadas para ouvi-los. Dessa
forma, Williams acabou dirigindo o primeiro dos beat clubs de Liverpool ( o
mais famoso deles, o Cavern Club, só iria se converter do jazz ao rock 'n' roll
alguns anos depois ), se tornou também o empresário do grupo, conseguindo para
eles apresentações em bailes e levando uma pequena porcentagem do que ganhavam.
Foi ele também quem arranjou o primeiro baterista mais ou menos regular do
grupo. Tommy Moore ".
Moore,
de 25 anos, era velho ( George tinha só dezessete, e mesmo John era, diante da
lei, um estudante em tempo integral ). Não obstante, ele os acompanhou em sua
primeira excursão fora de Liverpool; com o nome de Silver Beatles, o conjunto
foi tocar em salões de baile no extremo norte da Escócia ".
" Eles
queriam ser simplesmente " Beatles ", na onda dos Crickets de Buddy
Holly, mas um músico mais bem cotado de Liverpool ( Cass, do Cass and the
Casanovas) achou que o papel de John como líder do grupo devia ser evidenciado
- e, como Silver Beatles, também se fazia uma obscura referência a Long John
Silver, personagem de A ilha do tesouro. Esse tipo de nome ( Long John and the
Silver Beatles )ficava de acordo com a tradição dos grupos de Liverpool já
estabelecida pelo grupo de Cass, e por Rory Storm and the Hurricanes, Derry and
the Seniors, Gerry and the Pacemakers. Os Beatles já tinham adotado essa
prática nos seus tempos de Johnny and the Moondogs, mas o novo nome tinha um
significado em si mesmo - "Beatles" derivava, ao mesmo tempo, de "beetles"
(besouros") e de "beat" ("batida", "ritmo");
eles eram iguais entre si, e formavam uma unidade.
" Nessa viagem
à Escócia - a primeira grande escapada de Liverpool para todos eles -, pela
primeira vez experimentavam o sabor de uma vida independente. Paul mandou um
postal com as palavras: "Incrível! Até pediram meu autógrafo". Mas
ninguém lhes pediu para ficar, e no retorno a Liverpool ainda estavam muito
distantes do sucesso. Moore, que mal sobrevivia com sua parte nos ganhos do
conjunto, meteu a bateria no saco e voltou ao emprego de manobrista de
guindaste, e os sobreviventes se viram tocando ( entre outras coisas, A long
way to Tipperary ) na escuridão de um inferninho de striptease, que era outro
tipo de negócio de Williams. Mesmo ali, não faziam grande sucesso - os
fregueses reclamavam que a música dos rapazes interferia em suas fantasias. E
ainda não tinham baterista fixo ".
Ou melhor, já tinham de
meio período. Quando tocavam no Casbah, um café suburbano, Pete, filho da
proprietária, a Sra. Johnny Best, se juntava a eles. Bonito e meio
mal-humorado, era conhecido como bom baterista, mas como a alquimia do grupo
não funcionava com ele, nunca foi convidado a fazer parte efetiva do conjunto.
No entanto, quando Williams lhes arranjou trabalho em Hamburgo, Pete Best era
quem estava à mão. Quinze libras por semana pareciam muito nessa época; assim,
quando Paul o convidou para a viagem, ele aceitou ".
Parte 8
Williams tinha sido atraído a Hamburgo um ano
antes, quando a banda de metais antilhana do Jac começou a lhe enviar relatos
entusiasmados de sua nova jurisdição. Mas a viagem só se concretizou em 1960,
quando Williams conheceu Bruno Koshmider, proprietário do Kaiserkeller, de
Hamburgo, que estava na Inglaterra à procura de uma banda de rock para tocar
nesse seu clube. Um acerto com Derry and the Seniors, um dos grupos agenciados
por Williams, acabara de ser cancelado, e ele estava afoito para arranjar
outras apresentações. Williams, bom de conversa, convenceu Koshmider a
contratar o deprimido Derry, que, desse modo, tornou-se o primeiro grupo de
Liverpool a tocar em Hamburgo ".
O sucesso foi arrasador - o negócio foi tão
bom que Koschmider imediatamente decidiu abrir outra casa noturna, voltando a
Liverpool para saber das novidades de Williams. Gerry and the Pacemakers não se
interessaram, e Rory Storm and the Hurricanes ( onde tocava o baterista Ringo
Starr ) já estavam contratados para uma temporada de verão numa estância de
férias - o trabalho acabou ficando para os Beatles. Só porque uma banda de
metais do Caribe foi certa vez a Hamburgo...só porque Williams foi na conversa
dessa banda...só porque uma série de shows de Derry and the Seniors foi
cancelada...só porque Koschmider estava em Liverpool...só porque Derry acabou
sendo um grande negócio para ele...só por isso, os Beatles deram o salto que
mudaria suas vidas para sempre ".
Os Beatles chegaram a Hamburgo no outono
europeu de 1960, após uma viagem sem emoções através da Holanda, que só se
tornou interessante pela dificuldade de Williams em se lembrar de que devia
dirigir do lado direito da estrada. Herr Koschmider recebeu-os
entusiasmaticamente, mas não foi muito generoso quanto as acomodações previstas
no contrato. Deu-lhes três camarins há muito abandonados, atrás da tela de um
cinema, cuja mobília eram apenas algumas camas de armar. Mas os rapazes
decidiram não ligar para os inconvenientes quando conheceram o Indra, o novo
clube de Koschmider, e viram o pequeno cartaz que os apresentava como: "
Os Fabulosos Beatles, de Liverpool, Inglaterra ".
A
temporada no Indra não foi um sucesso. Com visões de marcos alemães dançando em
sua cabeça, Koschmider transformara o clube, que até então era uma casa de
striptease, sem comunicar antes a mudança ao público. Fregueses que esperavam
um show de sexo típico estilo hamburguês e acabavam assistindo ao espetáculo
dos "fabulosos" - não tão fabulosos assim para eles - não ficavam
satisfeitos. Como o contrato com os Beatles ainda tinha cinco semanas pela
frente, Koschmider decidiu mudá-los para o Kaiserkeller, bem maior e mais
conhecido, onde se revezavam com Derry and the Seniors ".
O
kaiserkeller era o local ideal para que eles desabrochassem. Era um ponto da
pesada, onde botas e navalhas eram uma constante presença ameaçadora, mas o
público estava sempre bem-dispostos para um rock 'n' roll. Na verdade, mais
bem-disposto até que os Beatles. Pois, na terra destes, as apresentações do
conjunto duravam no máximo uma hora; no entanto, no Kaiserkeller, exigia-se que
tocassem no mínimo seis vezes mais. Na primeira noite, embora esticassem as
músicas com arranjos instrumentais primitivos, faltou material ".
Numa cidade estrangeira, sem adulto
protegendo para lhes dar algum apoio atrás do palco, num lugar onde o ruído de
um punho contra a carne era o som mais comum, tinham de tocar ou fugir. Assim,
expandiram o repertório a jato, cantando, em geral pela primeira vez em
conjunto, qualquer canção que os quatro já conheciam, e que fossem clássicos do
rock 'n' roll.
" Tocavam Buddy Holly, Everly Brothers, Little
Richard, Carl Perkins, Conway Twitty, The Fleetwoods, Duane Eddy e, claro,
Chuck Berry. Quando
não sabiam a letra, inventavam, quase sempre introduzindo músicas de outros em
suas próprias melodias improvisadas ". " Num palco minúsculo de Hamburgo,
suando de medo e excitção, os Beatles reiventaram o rock 'n' roll. Eles eram a
primeira geração do rock - a única em que as explosões emocionais da puberdade
coincidiram com a revolução mundial chamada rock 'n' roll; em Hamburgo,
carregavam os sons proustianos dos anos 50 com a fúria mal-afiada das classes
baixas de Liverpool e uma exuberância de meninos-boêmios toda própria”.
Eles jamais teriam descoberto esse estilo em
Liverpool. Lá, viviam com suas famílias. Podiam sair para tocar à noite, mas
quando a música terminava voltavam à vida do lar. Em Hamburgo, a festa nunca
acabava.
Suas estadas em Hamburgo não foram em nada o
tipo de coisa que os pais imaginam quando mandam os filhos para morar um ano em
outro país. Os Beatles eram adolescentes rebeldes de Liverpool, mas até eles
ficaram um pouco assustados com Hamburgo. Casacos de couro, chicotes,
verdadeiras lutas livres, travestis de todos os tipos garçons armados, tudo
isso visto através de uma névoa formada pelo álcool e anfetaminas, essa foi a
sua educação. Que eles amaram. A toda hora fazendo apostas entre si,
mergulhavam cada vez mais fundo nos excessos ".
E toda noite, no palco do Koshmider,
tocavam uma música sensacional tão fora de qualquer controle como eles
próprios. A estada de seis semanas foi ampliada duas vezes. Começou-se a falar
neles, e pela primeira vez sentiram um tipo diferente de público.
Klaus Voormann foi o primeiro desses novos fãs. Artista e figura importante na inteliguentsia beatnik de Hamburgo, estava perambulando pelo Kaiserkeller após uma briga com a namorada. Como a maioria de seus amigos, era fanático por jazz, normalmente evitando o rock 'n' roll por uma questão de gosto e o clube de Koschmider por uma questão de prudência. No fim daquela noite, subiu as escadas para a rua transformado em fã dos Beatles. Voltou mais uma vez sozinho, e depois com a namorada, Astrit Kircherr. Ela era fotógrafa, e se apaixonou à primeira vista por aqueles cinco Teds mal-educados. Klaus e Astrit se aproximaram deles, num início de amizade. Começaram a trazer outros estudantes para ouvir a música primitiva do grupo, e pouco tempo depois o Kaiserkeller já não era mais domínio exclusivo das jaquetas de couro ".
Klaus Voormann foi o primeiro desses novos fãs. Artista e figura importante na inteliguentsia beatnik de Hamburgo, estava perambulando pelo Kaiserkeller após uma briga com a namorada. Como a maioria de seus amigos, era fanático por jazz, normalmente evitando o rock 'n' roll por uma questão de gosto e o clube de Koschmider por uma questão de prudência. No fim daquela noite, subiu as escadas para a rua transformado em fã dos Beatles. Voltou mais uma vez sozinho, e depois com a namorada, Astrit Kircherr. Ela era fotógrafa, e se apaixonou à primeira vista por aqueles cinco Teds mal-educados. Klaus e Astrit se aproximaram deles, num início de amizade. Começaram a trazer outros estudantes para ouvir a música primitiva do grupo, e pouco tempo depois o Kaiserkeller já não era mais domínio exclusivo das jaquetas de couro ".
O novo
público era, nas palavras comedidas de Paul, "uma mudança em relação aos
alemães gordo de costumes". Pete não gostou nem um pouco deles, mas
George, cujas raízes não o tinham preparado para o estilo de vida dos artistas
boêmios, se encontrava sempre deslumbrado e sentia até enfatuado. Ele pensava
que "esse pessoal da arte é que é quente".
Parte 9
Astrit tirou fotos deles, e os rapazes (com
exceção de Pete) começaram a jantar diariamente em sua casa. Ela e Stuart
começaram um caso, se apaixonaram, e daí seis meses estavam noivos.
E então, durante um intervalo, os Beatles
saíram à rua certa noite e, virando a esquina, foram tocar com Tony Sheridan no
Top Tem Club, o maior concorrente de Koschmider. Este ficou furioso, e eles
prometeram ser bons meninos de novo, mas, como durante a discussão Koschmider
voltou a se esquentar, resolveram pôr fogo nos camarins.
Koschmider, agora raivoso, apresentou queixa à
polícia, e assim a primeira viagem dos Beatles a Hamburgo chegou a um fim
repentino e inglório. George e Paul, menores de idade e sem licença de
trabalho, foram deportados formalmente; os outros acabaram voltando como
puderam. Durante algum tempo deixaram de tocar juntos, nem mesmo se
encontraram, e Paul, cujo pai o pusera para trabalhar numa fábrica, não foi o
único a pensar que os Beatles tinham acabado.
Brian Kelly é uma das poucas pessoas que podem
ter alguma pretensão plausível ao título de “o homem que descobriu os Beatles”:
ele andou fazendo isso algumas vezes. Pequeno promotor de espetáculos de
Liverpool, Kelly estava organizando um show de Natal na vizinha cidade de
Litherland, para 27 de dezembro de 1960, quando recebeu um chamado de Bob
Wooler, um disc-jóquei que dava a maior força ao rock ‘n’ roll americano em
Liverpool. Kelly lembra que Wooler começou dizendo: “Descobri um conjunto ideal
para você no Jacaranda. E sai de graça. Querem só 8 libras. Serve?”
“Por esse preço, não”, disse Kelly. Após a
pechinchada habitual, finalmente acertaram em 6 libras – o que era bem mais do
que Wooler esperava conseguir.
Esses Beatles já não pareciam em nada com o
grupo que eram antes de Hamburgo. Ainda eram Teds barulhentos, mas tinham
desenvolvido um estilo de cantar com a garganta toda que capturou de tal forma
a atenção da platéira que sua apresentação no Litherland Town Hall provocou um
verdadeiro motim de gritos e batidas de pés no chão. Essa seria a primeira de
muitas do gênero, e Kelly logo tirou partido: assim que show acabou, cercou o
camarim com cavaletes, para barrar a passagem de outros empresários enquanto
não falasse com o grupo. Quando se despediram, os Beatles tinham assinado com
Kelly um contrato para uma longa série de apresentações – a 8 libras
Parte 10
Em cada um dos shows promovidos por Kelly, e em
dezenas de outros locas em que tocavam, a reação era a mesma. No começo de
1961, os Beatles eram astros! Mas apenas a um nível bastante local. Trabalhavam
muito, reuniam multidões, chegavam a ganhar 3 libras cada um por apresentação,
mas sentiam que não estavam indo a parte alguma: 2 libras aqui, 3 ali, e ainda
acabavam ficando com menos do que se
operassem guindastes. Por comparação, Hamburgo parecia muito melhor.
E, de fato, uma nova oportunidade esperava por
eles nessa cidade. Peter Eckorn, um sujeito relativamente decente, que dirigia
o Top Ten Club, queria contratar os Beatles. O problema era o caso da
deportação. Mais uma vez, Allan Williams interveio. Escreveu uma carta ao
cônsul alemão em Liverpool, culpando Koschmider pela falta das licenças de
trabalho. E espichou o conceito de verdade a ponto de afirmar que “esses
músicos têm excelente caráter, todos eles, e vêm de famílias de primeira ordem,
nunca tendo tido qualquer problema com a polícia deste país”. Por razões que
talvez tivessem mais a ver com a ação discreta de Eckorn em sua terra natal do
que com a prosa de Williams, o cônsul concordou em conceder as licenças de
trabalho. Em abril de 1961, tendo George completado dezoito anos, os Beatles
deixaram sua fama local – e seus ganhos locais – para receber 150 libras por
semana no Top Ten Club.
O Top Ten era muito maior que o Kaiserkeller,
mas, apesar do número de estudantes atraídos pelos Beatles, tinha o mesmo
ambiente barra-pesada. O trabalho também era extenuante: seis ou sete horas de
música toda noite, com paradas de quinze minutos para descanso ao final de cada
hora.
Parte 11
Em pouco tempo, já habituados pela primeira
viagem a Hamburgo, voltaram a tomar bolinhas – misturadas às grandes
quantidades de bebidas que seus fãs compravam para eles. Cynthia Powel, que
passou duas semanas de férias com John, lembra que as bolinhas eram
“necessárias”, mas também descreveu uma noite, bem significativa, em que John
“cambaleava sobre o palco em convulsão histérica e com tanta bebida e tanta
bolinha na cabeça que já tinha perdido todo o autocontrole. Essa noite terminou
com John sentado a um canto do palco, com um assento de privada em volta do
pescoço, a guitarra numa das mãos e uma garrafa de cerveja na outra, totalmente
fora de si”. Depois disse, ainda saíram para farrear.
Tendo em visita a constante tensão física e
química em que trabalhavam, não é de surpreender que brigassem com freqüência
entre si. Pete Best era o mais disposto para a briga, mas Paul também era
áspero com Stuart. Embora uma parte da tensão fosse o resultado normal de
personalidade diferentes convivendo sob pressão constante. Cynthia observou que
Paul “estava cheio de tocar guitarra base em dupla com John. Ele queria a todo
custo desenvolver sua habilidade musical tocando baixo, o que, naturalmente, deixaria
Stu na mão”. Não está claro se ele caiu fora por vontade própria ou dos outros,
mas Stuart – atraído tanto por Astrid como por uma vaga conseguida na escola de
arte de Hamburgo – ficou lá quando o pessoal regressou a Liverpool. E morreu de
um derrame cerebral menos de um ano depois.
Porém, antes da partida, Stuart lhes deu,
indiretamente, o mais importante presente de despedida: deixou de lado por um
dia sua aparência de Teddy Boy e fez Astrid pentear o cabelo para a frente,
penteado que ela chamava “estilo fancês”. Nessa noite, ao chegar ao Topo Ten,
foi gozado impiedosamente pelos outros. Porém, dois dias depois, George o
imitou. Em seguida Paul, e finalmente John. O novo visual era o primeiro de uma
série que iria registrar o progresso dos Beatles de fenômeno local a astros
mundiais. Apenas Pete resistiu à mudança.
Parte 12
A versão oficial do evento que finalmente
projetou os Beatles começa com um tal Raymond Jones, típico Ted de Liverpool,
jaqueta de couro, que entrou na loja de discos Nems Music numa tarde de outubro
de 1961 e pediu My bonnie, com um grupo chamado “The Beatles”. A Nems era de um
rapaz de 27 anos, Brian Epstein. Sua política era de que todos os pedidos dos
fregueses deviam ser atendidos; quando Brian tentava descobrir a origem desse
disco, viu que era importado da Alemanha Ociental. Novos pedidos do mesmo disco
logo se seguiram. Intrigado, Epstein pesquisou mais sobre os Beatles e
descobriu – como diz em sua autobiografia: “Eu ainda não sabia disso” - que os Beatles não eram um conjunto alemão,
e sim um grupo local, que tocava no Cavern Club. Então foi vê-los tocar, e o
resto é história...
Essa história é maravilhosamente romântica, mas
provavelmente apócrifa(Obra ou fato sem autenticidade, ou cuja
autenticidade não se provou. ). Quando Epstein viu os Beatles pela primeira vez, já
escrevia uma coluna no jornal de música Mesey Beat, de Bill Harry, há mais de
três meses. Segundo Harry, Brian era um leitor atento, e, segundo o próprio
Brian, um vendedor de discos compulsivamente completo. Assim, parece impossível
que ele não tenha visto a manchete mais que otimista que o Mersey Beat já
publicara em primeira página: “BEATLES ASSINAM CONTRATO PARA GRAVAR”. Por outro
lado, é verdade que a primeira vez que viu um show deles foi na hora do almoço
de 9 de novembro de 1961, no Cavern. E ficou junto deles pelo resto de sua
vida.
Aos 27 anos, Epstein era uma curiosa mescla de
fracasso e sucesso. Filho mais velho de um comerciante de móveis bem sucedido,
fora o primeiro da família a conseguir entrar para uma escola particular
inglesa, o Wrekin College. Ali, para sua própria surpresa, Brian era o primeiro
da classe em arte. E, para surpresa da família, ali decidiu ser desenhista de
moda. Essa escolha foi asperamente criticada (“Isso não é coisa de homem!”); assim,
teve de deixar o Wrekin e entrou como vendedor nos negócios da família.
Sua habilidade também de nada lhe serviu no
exército, nem no curso de teatro de um ano e meio que fez na Royal Academy of
Dramatic Art. Assim, em 1957, abandonou a arte pelos negócios, e em 1961 fez da
Nems a mais importante loja de discos do norte inglês. Embora não tivesse
ligações com os florescentes clubes beat de Liverpool – pois já era velho para
isso -, era importante o suficiente para que o público do Cavern o recebesse
com aplausos quando foi apresentado após show.
Parte 13
Epstein, apesar de ter julgado os Beatles “não
muito asseados, nem muito decentes”, admitiu seu “considerável magnetismo”. Não
pensou em agenciá-los, mas convidou-os para um papo.
Seus motivos para essa conversa não eram muito
claros, mas certamente ele se identificava com os Beatles de uma forma que
tornava irrelevantes as diferenças de renda e de vestuário. Como eles, Brian era
um “marginal”, nascido em Liverpool num país em que a cultura “de verdade”
estava em Londres, e nem suas roupas caras nem seus modos polidos podiam
alterar esse fato. Os Beatles desconheciam a sutil discriminação sentida por
ele – para o conjunto tratava-se de um sujeito muito bacana -, mas ele era
amargamente cônscio (Que sabe bem o
que faz ou o que deve fazer) de suas limitações.
Para começar, era judeu (anos mais tarde,
quando um amigo sugeriu que ele devia ter recebido a Ordem do Império Britânico
junto com os Beatles, Brian retrucou: “Você já reparou bem no meu sobrenome?”),
e, não importando quanto ele batalhasse, sempre alguém realmente poderoso iria
tratá-lo como um verme do mundo dos negócios. E, para completar, era
homossexual num país onde as portas dos banheiros eram sempre trancadas com firmeza,
ainda que polidamente. No entanto, na selvagem energia dos Beatles viu mais que
magnetismo sexual; sentiu neles a força que podia romper as barreiras de casta
e de classe – o que poderia permitir-lhes escapar à vida medíocre e sem
desafios de lojista em Liverpool.
Os Beatles sabiam que precisavam de um agente.
Tinham rompido com Allan Williams por causa da comissão no contrato com o Top
Ten Club, e, embora Pete Best quisesse tomar conta do assunto, era um
substituto inadequado. Brian, nas palavras de John, “parecia eficiente e rico”.
No entanto, seu primeiro encontro não foi um êxito total; Paul chegou uma hota
atrasado. (Ao que parece, estava tomando banho. Quando Brian reclamou que Paul
estava “muito atrasado”, George replicou: “E muito limpo”). Após essa primeira
experiência, Brian resolveu investigar o nível de confiabilidade dos Beatles.
Entre os consultados estava Wiliams, que lhe disse, segundo a autobiografia de
Epstein: “Não se meta com eles. Vão deixar você na mão”. Williams,
naturalmente, relembra seu conselho menos polido: “Minha opinião sincera é:
melhor você não encostar a mão na merda”.
Brian fez mais que encostar a mão; ele refez os
Beatles. Não sua música – era bastante inteligente para perceber até onde ia
sua própria capacidade -, mas sua imagem, suas personae. Na autobiografia,
Epstein recorda que, quando quis decorar as vitrines da loja, “fiquei, e ainda
fico, doido de tentar achar o melhor jeito de expor as coisas”. E ele deu aos
Beatles exatamente essa aparência agradável de autêntica juventude que ninguém
ousaria esperar de um vitrinista do interior. Ternos elegantes de veludo substituíram
o couro, gravatas adornaram seus pescoços e os cabelos gordurosos cresceram
macios e limpos, limpos, limpos.
RINGO STARR - “ NENHUM DE NÓS
TINHA ASSIMILADO O QUE ESTAVA ACONTECENDO. PARECIA UMA ONDA DE MARÉ CRESCENTE
MASSAGEANDO NOSSAS CABEÇAS”.
Parte 14
Nada disso se conseguiu sem resistência. John se conformava com pequenos
atos de rebeldia como afrouxar a gravata durante os shows (mais tarde se
queixaria de que Paul o fazia reapertá-la). Para Paul, o problema era
diferente: gostava das mudanças na imagem, mas sentia o estreito relacionamento
Lennon-McCartney ameaçado pela crescente amizade entre John e Brian. Paul
chegou a deixar de comparecer a uma apresentação no Birkenhead Technical
College só porque, quando Brian apareceu com o furgão para buscá-lo, já tinha
apanhado John antes.
Nessa época correu muita fofoca em Liverpool sobre a natureza real das
relações entre Brian e os Beatles. O boato de que Pete e Brian eram amantes
morreu assim que Best saiu do conjunto (e foi enterrado quando ele se casou),
mas as histórias sobre John e Brian aumentaram, chegando ao auge quando Brian
levou John à Espanha, em férias. Aparentemente John achava essas histórias um
empecilho à sua imagem de machão, pois tudo fez para negá-las, mesmo em
entrevistas dadas anos depois que o conjunto se desfez. Naquela época,
entretanto, chegou a defender sua condição heterossexual com mais do que
palavras: durante uma festa em Liverpool, Bob Wooler imprudentemente sugeriu
que Brian e John tinham alguma coisa. Furioso, John derrubou o velho com um
soco e chutou-o várias vezes no rosto. A cena foi tão feia que Brian foi ao
escritório de Wooler no dia seguinte consertar as coisas. Brian ofereceu
dinheiro, John pediu desculpas; Wooler aceitou ambos.
Porém, mesmo com toda a influência ativa e indireta sobre a imagem dos
Beatles, Brian não mudou sua música. Bem antes disso o conjunto já descobrira
uma estética do som. Paul relembra Hamburgo: “Não tínhamos preocupação quanto
aos arranjos de nada. Se surgia algum problema com amplificadores
supercarregados – tínhamos de ligar duas guitarras em cada um -, eu começava a
sapatear sobre o palco ou corria para o piano e tocava alguns acordes... era
som e ritmo do mesmo jeito”. Assim, o som áspero e agressivo do seu rock ‘n’
roll permaneceu. As gravações no Star Club de Hamburgo, em 1962, com os Beatles
em ação, descarta definitivamente o mito revisionista de que os Beatles eram a
alternativa segura da sociedade aos Rolling Stones. Nessas apresentações – com
a rascante guitarra de George em Roll over Beethoven, o vocal explosivo de John
em Sweet little sixteen e o tom alto e enérgico de Paul em Long tall Sally, de
Little Richard -, os Beatles botam pra quebrar.
Parte 15
Essa frase não é acidental; sob a tutela de Brian, os Beatles se
tornaram uma metáfora curiosa de sua vida. Fazendo o papel de homem de negócios
respeitável até demais durante o dia, à noite Esptein nada tinha do suburbano
sossegado. John falou de Brian como “cheio de rompantes infernais, ataques, e
estafas, e sei lá o que mais; de repente ele desaparecia. O negócio todo podia
ir pro brejo que ele ficava dormindo dias seguidos por causa das pílulas; nem
queria saber de ficar acordado. Ou então não aparecia, sabe como é, porque
estava apanhando de algum estivador na Old Kent Road”.
Quando Epstein foi a Londres em busca de um contrato de gravação para o
conjunto, sabia perfeitamente da violenta investida musical que aguardava a vez
atrás da fachada limpa, lavada, dos rapazes; o homem de negócios inato vendeu
não apenas os Beatles, mas também a si próprio.
Não é à toa que se saiu bem. Seu charme era autêntico, seu poder como o
maior varejista do norte era considerável o suficiente para lhe garantir a
chance de usá-lo. Finalmente, é claro, seu produto era muito especial. Teve de
engolir algumas negativas polidas e deferentes, mas, no final de julho, George
Martin concordou em gravar com eles para a Parlophone Records. Os rapazes
entravam no caminho: John, Paul, George...Pete.
Nada contaram a Pete sobre o contrato. Há muito tempo já pensavam em
substituí-los; agora, às vésperas de assinarem contrato para gravar, queriam
fazer isso de uma vez. Brian não queria mudar nada, mas a tarefa ingrata lhe
foi atribuída. Desincumbiu-se da forma mais elegante possível, jogando parte da
culpa em George Martin, mas a grita foi geral em Liverpool. Best era um dos
preferidos dos fãs – em parte por manter o estilo Ted, e em parte devido à
promoção incessante que sua mãe fazia dele no popular Casbah Club, de que era
dona. Assim que o Mersey Beat publicou a reportagem exclusiva “Beatles trocam
de baterista”, as fúrias se desencadearam; uma multidão zangada e ululante(É um adjetivo que vem do latim ululante.Significa aquele
que ulula.
Lamentoso,.Aquele que solta uma voz triste e lamentosa.) de fãs de Best se reuniu no Cavern para protestar contra a primeira aparição de Ringo como beatle. Brian preferiu não acompanhar o grupo, e permaneceu prudentemente em seu escritório, mas George, sem essa opção, batalhou para abrir caminho rumo ao palco. Ganhou um olho negro no caminho.
Lamentoso,.Aquele que solta uma voz triste e lamentosa.) de fãs de Best se reuniu no Cavern para protestar contra a primeira aparição de Ringo como beatle. Brian preferiu não acompanhar o grupo, e permaneceu prudentemente em seu escritório, mas George, sem essa opção, batalhou para abrir caminho rumo ao palco. Ganhou um olho negro no caminho.
Parte 16
Naquele verão de 1962, Ringo – seu nome real: Richard Starkey – via-se
sem perspectiva. Tendo acabado de sair dos Rory Storm and the Hurricanes,
estava pensando tão seriamente em emigrar que escreveu à Câmara de Comércio de
Houston consultando sobre a situação de empregos no Texas. Aos 22 anos, ainda
pensava em ser caubói.
Para ele, não havia muito mais a fazer que sonhar. Ringo nasceu em alojamentos
tão pobres que faziam até os dos Harrison parecer elegantes. Esse foi apenas o
primeiro problema. Seus pais se divorciaram quando ele estava com três anos, e
o menino cresceu no Dingle, um dos bairros mais barras-pesadas da parte
barra-pesada de Liverpool, onde sua mãe sustentava a família trabalhando como
garçonete. E, além de pobre, Richard era também doentio.
Aos seis anos, teve apendicite e peritonite, passando dez semanas em
coma e mais de um ano no hospital. Voltou à escola um ano atrasado nos estudos,
totalmente inepto para ler e escrever. Uma vizinha o ajudava nas lições.
Porém, dias melhores pareciam estar vindo. Sua mãe casou novamente –
aliviando as finanças cronicamente insolventes da família – e ele começou a ir
mais ou menos na escola. No entanto, aos treze anos contraiu pleurisia e voltou
ao hospital. Surgiram complicações, e foi transferido para outra instituição,
de onde só saiu aos quinze anos. Assim, quase sem escolaridade, atingiu a idade
em que deveria ter o primeiro diploma. Ainda doentio, não podia fazer nenhum
trabalho que exigisse esforço físico, mas achou emprego como Office boy e mais
tarde se tornou aprendiz de ajustador mecânico. Foi quando a onda do skiffle
estourou.
Seu padrasto, satisfeito em ver Ringo empregado em alguma coisa,
comprou-lhe uma bateria usada. Em um ano, com a ajuda desse paternal padrasto,
comprou outra, em melhor estado. Como as baterias custavam caro, Ringo era –
talvez pela primeira vez na vida – muito procurado.
Tocou com diversos grupos locais, mas o grande lance surgiu em 1959,
quando Rory Storm recebeu a proposta para fazer a temporada de verão no
Butlin’s, colônia de férias para trabalhadores. Storm pediu a Ringo para
juntar-se ao grupo e tempo integral, e este, tendo descoberto que poderia
ganhar três vezes seu salário de aprendiz, aceitou. Um tanto magro – e, digamos
a verdade, de aparência engraçada -, Ringo era uma figura imediatamente
reconhecível no palco; tornou-se tão popular que a festa dos seus 22 anos
reuniu a nata dos grupos beat de Liverpool na casa de sua família. Os Beatles,
então em Hamburgo, pela segunda vez, não compareceram.
Ringo reencontrou-os quando foi com Rory Storm para Hamburgo, onde tocou
com eles muitas vezes (como nas lendárias apresentações no Star Club). Quando o
contrato de Storm acabou, Ringo tinha gostado tanto de Hamburgo que ficou por
lá acompanhando Tony Sheridan. Logo depois voltou à Inglaterra. Estava indeciso
entre os atrativos do Texas e os do trabalho regular em mais uma temporada de
verão com Storm, quando John o procurou pedindo-lhe para tornar-se um beatle.
Parte 17
PAUL – “O FATO É QUE SOMOS A MESMA PESSOA. SOMOS APENAS QUATRO PARTES DE
UM SER”.
“John foi logo dizendo para Ringo que ele teria de pentear o cabelo para
frente – coisa que Best se recusara terminantemente a fazer -, mas poderia
continuar a usar costeletas. Também poderia ganhar 25 libras por semana.
Normalmente os músicos de Liverpool ganhavam apenas 20; assim, Ringo não teve
dúvidas em aceitar. Quando os Beatles desceram a Londres em setembro para
gravar o primeiro disco, foi junto com eles.
Avaliando suas habilidades após anos de fama e muita atividade, Ringo
afirmou ser apenas “um dos dois melhores bateristas de Liverpool nessa época”.
Em outras palavras, seu jeito de tocar era vigoroso, mas rústico, dirigido mais
para agitar um salão de baile cheio que para marcar o ritmo de um conjunto. Seu
som era, e permaneceu muito baseado nos pratos e no bumbo; os sons bem dosados
ficavam só para as músicas lentas.
Novo no grupo sentiu-se particularmente desajeitado no estúdio. Embora
gravar fosse muitíssimo mais simples naqueles tempos, antes de surgirem
produções com múltiplos canais e milhões de dólares, o som de Ringo parecia
indigesto para um disco. Assim, o produtor George Martin arrumou um baterista
de estúdio, Andy White, para tocar com o grupo, deixando Ringo com as maracás em
P.S. I Love you e o pandeiro em Love me do. Se Martin estava certo ou não é uma
questão interessante: a bateria de Ringo aparece na versão em compacto de Love
me do, e a diferença entre ele e White (no LP) demonstra claramente que, assim
como Epstein suavizou a imagem dos Beatles, Martin amenizou seu som.
Mas o feito representado pelo disco – era o deles, pelo menos –
importava mais que a intimação passageira de Ringo. Incendiados pelo
entusiasmo, voltaram ao circuito dos bailes. O charme jovial de Ringo logo
exorcizou o fantasma de Best, e parecia que os quatro felizardos nada mais
tinha a fazer que aguardar o estrelado. Mas ele não veio tão magicamente como
desejavam, Embora as vendas fossem grandes no norte (onde a firma de Epstein
fez pedidos de grandes quantidades), o disco atingiu uma fraca colocação nas
paradas de sucessos britânicas”.
Parte 18
Quando chegou à posição 17, começando a cair, os rapazes já estavam de
volta à maratona dos clubes de Hamburgo. Porém, o segundo compacto já estava
gravado, e quando Please please me foi lançado, em janeiro de 1963, levou
apenas um mês para chegar ao primeiro lugar nas paradas. Os Beatles tinham
afinal encontrado seu caminho.
É digno de nota que pouca gente fora do mundo da música tenha reparado
nisso. Maureen Cleave, do London Evening Standard, fez uma reportagem com eles,
enfatizando seu original caráter liverpoolense, mas nisso se resumiu o
interesse da imprensa. Mesmo assim, em maio, Brian Epstein se contratou como
agente dos Beatles em tempo integral. O primeiro lugar era uma grande coisa,
mais do que o grupo ousara sonhar nos tempos em que fazia som para strip-teases,
mas Epstein pretendia algo mais. A palavra ainda não existia, mas ele já estava
inventando a “beatlemania”.
Hoje em dia, em algumas partes do mundo, o sucesso de um cantor começa
pelo seu visual, ou seja, ele faz sua estréia no meio artístico através da
televisão, e muitas vezes as pessoas se surpreendem ao ver algumas caras
desconhecidas, das quais nunca sequer ouviram falar, sendo apresentadas como
campeões de vendagem de discos, ganhadores de não se sabe quantos discos de
ouro, etc., e o rádio, apesar da sua força em termos de comunicação, parece
estar relegado a um segundo plano.
No entanto, nos Estados Unidos até hoje os discos, para alcançarem os
primeiros lugares da parada, têm que percorrer os caminhos abertos pelas
programações do rádio. As pessoas primeiro ouvem a música e depois compram o
disco. Elas têm essa opção (ou, como dizem alguns, são enganadas por essa
manipulação) porque mesmo os pequenos vilarejos, localizados nas regiões mais
remotas, têm uma ou até duas estações de rádio com uma programação de “as
quarenta mais”.
Certamente, esse não era o caso na Inglaterra de 1963. Embora a Rádio
Luxembourg explodisse seu poder de watts em som pop que atingia todas as ilhas
Britânicas, o som dominante na BBC era do tipo quadrado Auntie Beeb. Nada de
barulhos ou ruídos estranhos que machucassem os ouvidos.
Assim, os grupos ingleses faziam intensas excursões, batalhavam uma rara
apresentação na TV e cortejavam a imprensa – tanto os inúmeros hebdomadários
pop como os grandes diários. Nesse ponto de sua carreira, apenas os semanários
pop mostravam grande interesse pelos Beatles; apesar dos contatos pessoais e do
fluxo contínuo de “notícas exclusivas” distribuídas por seu agente, apenas um
artigo sobre o conjunto apareceu num grande jornal nacional no primeiro
semestre de 1963.
Parte 19
Enquanto isso, eles davam duro tocando a parte inicial das apresentações
de Helen Shapiro e Tommy Roe, e finalmente co-estrelando com Roy Orbison.
O terceiro disco, From me to you, foi lançado durante esse período, e
também chegou ao primeiro lugar, apoiado por sua primeira apresentação na TV.
Começaram a atrair multidões – e “feijõezinhos” de goma, que George,
inocentemente, mencionou apreciar, numa publicação musical.
Também atraíram uma multidão de deficientes físicos, coisa que jamais
teriam imaginado, embora isso pareça ter a ver com a imagem asseada e terna que
estavam projetando sob a tutela de Brian. Seu velho coordenador de excursões,
que os acompanhava desde os tempos pré-Ringo, relembrou “Sempre apareciam
multidões de aleijados. Às vezes estavam nos camarins quando chegávamos ao
teatro. A gerência deixava-os entrar, pensando que nós iríamos adorar vê-los;
julgavam que éramos uns sujeitos adoráveis”. Não existe nenhum registro de que
tenham feito alguma cura durante esse período.
Apesar do crescente exército de fãs por toda parte, os Beatles
permaneciam um conjunto de Liverpool. Em agosto lançaram She loves you, que fez
o previsível caminho para a primeira colocação, mas seu maior êxito nacional
foi com a décima terceira aparição no programa de variedades ao vivo da BBC,
Sunday night at the London Palladium. A audiência foi estimada em 15 milhões de
pessoas, e foram os fãs de Londres que tornaram os Beatles, finalmente,
notícias de primeira página.
Muitos fãs não conseguiram ver esse show; as entradas tinham se esgotado
sete meses antes – nunca tinha acontecido algo assim em Londres. Multidões se
formavam à porta do teatro, e jornalistas e equipe de TV vieram cobrir o
evento. Outros jovens, ouvindo falar na história, vieram ver o que estava
acontecendo. O que, por sua vez, atraiu mais repórteres e um atarantado reforço
policial. Este, tentando contornar a situação, dirigiu o carro que levaria
embora os Beatles para um ponto que aos policiais parecia mais favorável. Só
que eles se esqueceram de avisar os Beatles da mudança, e os quatro tiveram de
sair correndo, em desespero, por um corredor polonês de cinqüenta metros,
através da multidão turbilhonante de fãs, cuja histeria vinha aumentando
durante a longa espera. Essa arremetida fotogênica tornou-se notícia.
Parte 20
O mais importante é que a imprensa e o público ingleses – esgotados
pelos escândalos desencadeados pelo cada vez menos engraçado caso Profumo-
Keeler – estava inconscientemente ávido por esse tipo de notícia não-séria. Ao
invés de acabar quando o grupo partiu de Londres, a história dos Beatles
aumentou: os meios de comunicação e os fãs continuaram a alimentar-se
mutuamente, como haviam feito às portas do Palladium. O lugar mudava –
Carlisle, Birmingham, Dublin (onde o chefe de polícia apresentou a maravilhosa
explicação de que “tudo estava bem até que a mania degenerou em barbárie”) -,
mas a história era a mesma: beatlemania.
Os Beatles pouco notaram. As multidões pareciam, para eles, iguais às do
Palladium. Candidamente ignorantes dos efeitos do princípio de incerteza de
Heisenberg, marcaram uma turnê à Suécia. Foi só quando voltaram, encontrando
sua primeira multidão estridente no aeroporto, que a magnitude de seu sucesso
começou a penetrá-los.
A beatlemania ganhou firma reconhecida quando o conjunto foi convidado a
tocar no Royal variety show, o espetáculo de variedades da corte britânica, de
1963. Chegaram ao evento, que também incluía Sophie Tucker, Marlene Dietrich e
Maurice Chevalier, mais como potentados em visita que como súditos da rainha.
Respondendo à pergunta dos repórteres sobre se não achava que os Beatles
estavam sendo infiéis aos fãs de Liverpool ao participar de um espetáculo tão
elegante, Ringo afirmou apenas que achava ótimo tocar bumbo para a rainha-mãe.
Mais tarde, em novembro, lançaram o segundo LP, With the Beatles;
naturalmente, o disco saltou para o topo das paradas, mas os meios de
comunicação enfocavam menos sua música que seu modo de ser beatle. O tom foi
mudando, das reportagens sobre tumultos para sóbrias análises sobre O que Isso
Tudo Significa Precisamente. Como em Hamburgo, os Beatles ampliavam suas bases
de fãs “típicos” e começavam a conquistar a inteliguêntsia (usualmente refere-se a uma categoria ou grupo de pessoas engajadas em trabalho intelectual
complexo e criativo direcionado ao desenvolvimento e disseminação da cultura, abrangendo trabalhadores intelectuais.). Sua
maior façanha, talvez, e também fonte de muito deleite particular, foi quando o
crítico de música do London Times fez a resenha de fim de ano, opinando que
“That boy, que tem lugar proeminente nos programas dos Beatles, é
expressivamente incomum por sua musicalidade lúgubre, mas harmonicamente é uma
de suas canções mais intrigante, com seus encadeamentos pandiatônicos, e o grau
de sentimento é agradável porque cantado limpa e resolutamente. O interesse
harmônico, no entanto, é típico de suas canções mais rápidas também, e tem-se a
impressão de que pensam simultaneamente na harmonia e na melodia, tão decididas
são, em suas obras, as sétimas e nonas maiores construídas e as mudanças de
escala para as superdominantes, tão naturais estas na cadência eólia ao final
de Not a second time (a progressão de acordes que finaliza a Canção da terra de
Mahler)”.
Parte 21
RINGO – “Então é isso a América. Parecem todos Loucos”.
A “operação EUA”, como Epstein modestamente a
chamou logo em seguida ao Royal variety de 1963, quando ele foi para Nova York
e se hospedou numa luxuosa suíte do Regency Hotel. Essa incursão, feita numa
época em que os Beatles ainda recebiam cachês de 50 ou 60 libras por noite,
custou-lhe mais de 2000 libras. Era um jogo alto. Antes dos Beatles, o tráfego do rock ‘n’ roll
era todo em mão única: Little Richard era um herói na Inglaterra, Cliff Richard
um ilustre desconhecido nos EUA. Mas Epstein não apenas agenciava os Beatles,
ele os amava. E acreditava piamente que podia superar a defasagem
transatlântica. No entanto, ele era o único.
Na Capitol Records, julgaram que era um louco.
Como subsidiárias da EMI, essa gravadora tinha os direitos para prensar os
discos dos Beatles nos EUA. Porém, após uma audição superficial de Please
please me e From me to you, a Capitol decidiu não se incomodar com eles. Assim,
esses compactos foram lançados pela obscura Vee Jay Records, mas mesmo esta
desistiu de fazer o terceiro: She loves you saiu pelo moribundo selo Swan. Como
nenhum dos três chegou nem perto das listas dos cem mais vendidos, ficava
difícil discutir a decisão da Capitol.
Epstein discutiu, claro, e, motivada por
conversações com a matriz inglesa, a Capitol decidiu lançar I want to hold your
hand. (Mais tarde, Epstein declarou que estava certo de que este seria sucesso,
mas mesmo assim gastou tempo insistindo nas relações com a VeeJay). Sua
negociação que teve maior evidência, porém, foi com Ed Sullivan.
Apesar do apresentador desajeitado diante das
câmaras, o Ed Sullivan Show tinha o poder de iniciar ou firmar uma carreira; e,
nas noites normais, tinha audiência cinco vezes maior que a do programa mais
popular da BBC. Era sempre um programa com um toque internacional (humoristas
parodiavam com sucesso as especialidades de Sullivan, com quadros do tipo “914
dentista poloneses pulando e dançando para seu entretenimento”), e os
produtores de Sullivan corriam regulamente os circos europeus em busca de
atrações para a TV americana. Mesmo que os Beatles não passassem de novidades
esquisitas, eram potencialmente talhados para o programa.
No entanto, ele sentia que eram mais que isso,
pois estava no aeroporto de Londres quando a multidão tempestuosa recebeu os
Beatles de regresso de Estocolmo, e não sentiu dúvidas quanto ao que viu. “Logo
percebi que era o mesmo tipo de histeria coletiva que caracterizou os tempos de
Elvis Presley”, declarou ao New York Times. A carreira de Elvis explodiu quando
Sullivan lhe deu uma série de três apresentações, fato inédito em seu programa
– embora só o mostrasse da cintura para cima. Fiando-se no seu instinto,
Sullivan achou que os Beatles eram “realmente magistrais”; e quis tê-los, ao
vivo e com exclusividade, no seu show.
Parte 22
GEORGE – “Agora agüentamos melhor uns aos outros
que quando nos conhecemos.
Epstein estava, naturalmente, inclinado a concordar.
Por isso, não fez questão de muito dinheiro (na verdade, os Beatles receberam
2400 dólares por apresentação, menos de metade do cachê normal de Sullivan),
mas da seqüência máxima – três semanas seguidas.
Após dois dias de intensas negociações, chegaram
a um acordo. Poder-se-ia imaginar que Epstein então relaxou e ficou esperando
que a mágica televisiva funcionasse sozinha. Mas não. Ele vira os Beatles
romperem as barreiras de classe e idade na Inglaterra, e acreditava que podiam
repetir o feito na América. Embora soubesse que o influenciável pelo rádio era
bem mais difícil de trabalhar, Epstein usou seu charme corrente e limpamente
britânico para seduzir a imprensa americana. Através dele, os Beatles se
tornaram os primeiros artistas populares a atingir o sucesso usando também os
meios de comunicação escrita.
E com muita classe. As primeiras matérias sobre
os Beatles saíram em nada menos que na The New Yorker e na The New York Times
Magazine. A da Times era na verdade uma reportagem sobre a beatlemania, feita
com a assistência do assessor de imprensa inglês dos Beatles – mas a da New
Yorker era com Epstein. Tanto a entrevista como a publicação escolhida tornavam
clara a notável estratégia de Espstein. Para tomar de assalto a Inglaterra, os
Beatles primeiro conquistaram a garotada (e isso após marcar passo muito tempo
em bares e salões de baile), mas agora iam subjugar toda a América de um só
golpe.
A notícia de que Brian conseguiria formar filas
para as apresentações no Ed Sullivan fez a Capitol Record espreguiçar-se, mas a
gravadora acordou de vez a partir de 13 de janeiro de 1964, data do lançamento
do quarto compacto dos Beatles. I want to hold your hand pulou direto para o
primeiro lugar, e a Capitol começou a investir no futuro dos Beatles. Nas três
semanas anteriores à chegada do conjunto aos EUA, ela investiu a soma, sem
precedentes, de 50000 dólares em sua promoção. Trabalhando com Brian,
contrataram dezesseis assessores de imprensa para a chegada iminente dos
Beatles.
Num passe de mágica, cartazes com as palavras “OS
BEATLES ESTÃO CHEGANDO” apareceram em todas as grandes cidades, e os disc-jóqueis
importantes receberam não apenas o material habitual, mas também uma peruca
beatle e um disco que lhes permitia fazer “entrevistas” e receber as respostas
nas próprias vozes liverpoolenses dos rapazes. Por todo o país, as estações de
rádio lutaram para ver qual se identificava melhor com os “Fab Four” (a partir
daí, o apelido do grupo); em Nova York, onde a composição pelos dólares da
publicidade era bem mais acirrada, as quarenta rádios principais transmitiam
quase a cada minuto flagrantes da travessia aérea dos Beatles sobre o oceano
Atlântico.
Parte 23
RINGO – “Me perguntaram por que uso anéis nos dedos. Respondi que é
porque não consigo encaixá-los no nariz.”
O vôo, em si, foi um rebuliço – uma amostra da cena que aguardava os
Beatles na aterrissagem. Além das equipes de repórteres ingleses cobrindo a
viagem por conta de seus jornais (as mordomias do rock ‘n’ roll sugiram depois
que o sucesso dos Beatles multiplicou as receitas das companhias de discos),
vários assentos eram ocupados por homens de negócios americanos de raciocínio
rápido. Sentindo o odor de dinheiro, não podiam simplesmente esperar que os
Beatles chegassem.
Brian, que já estava em vias de montar uma firma nos Estados Unidos para
licenciar o uso do nome dos Beatles para vários produtos, reuniu-se
alternadamente com eles. Sua preocupação, dizia, era que o nome e a imagem dos
Beatles fossem associados apenas a “produtos de qualidade”, recusando tudo o
que não combinasse com a imagem que pretendia para o grupo. Entre as ofertas
que se sentiu obrigado a declinar estava uma que resultaria no papel higiênico
“oficial dos Beatles”.
Parece, porém que, fora isso, praticamente tudo foi aprovado, e o
sucesso dos Beatles foi capitalizado em coisas tão dúbias como lancheiras
oficiais dos Beatles, camisetas, pijamas, calças, blusas, uniformes de tênis, e
– naturalmente – perucas (feitas pela Lowell Toy Corporation, que produzia mais
de 15000 unidades por dia).
Apesar de tudo isso, os quatro
estavam nervosos, e, no avião Paul virou-se para Phil Spector (produtor de
discos americano cuja presença a bordo significava que estavam chegando ao
mesmo tempo em várias frentes) e perguntou: “Já que a América sempre teve tudo,
por que justamente nós vamos fazer dinheiro lá? Eles têm seus próprios
conjuntos. O que vamos dar a eles que ainda não tenham?”
Embora ele não precisasse se preocupar – os Beatles não eram de ninguém,
ou de parte alguma -, a pergunta de Paul era sensata. Eles poderiam tornar-se,
como Sullivan intuiu, novos Elvis – uma variação importada do tema “uma geração
que se define”. Mas esse tipo de sucesso parecia fácil demais. Alimentados pela
genial conspiração das rádios de Nova York, mais de 4000 adolescentes aos
gritos foram saudar os Beatles à saída do avião. Além do reforço normal da
polícia do aeroporto, 110 policiais de elite foram chamados para repelir as
cargas da multidão em frenesi. “Nunca vimos nada igual aqui antes”, ofegava um
oficial do aeroporto, “nunca”. E parecia atormentado ao comentar a faceta mais
surpreendente da multidão: vários dos jovens já estavam com o cabelo escovado
para frente.
Parte 23
RINGO – “Me perguntaram por que uso anéis nos dedos. Respondi que é
porque não consigo encaixá-los no nariz.”
O vôo, em si, foi um rebuliço – uma amostra da cena que aguardava os
Beatles na aterrissagem. Além das equipes de repórteres ingleses cobrindo a
viagem por conta de seus jornais (as mordomias do rock ‘n’ roll sugiram depois
que o sucesso dos Beatles multiplicou as receitas das companhias de discos),
vários assentos eram ocupados por homens de negócios americanos de raciocínio
rápido. Sentindo o odor de dinheiro, não podiam simplesmente esperar que os
Beatles chegassem.
Brian, que já estava em vias de montar uma firma nos Estados Unidos para
licenciar o uso do nome dos Beatles para vários produtos, reuniu-se
alternadamente com eles. Sua preocupação, dizia, era que o nome e a imagem dos
Beatles fossem associados apenas a “produtos de qualidade”, recusando tudo o
que não combinasse com a imagem que pretendia para o grupo. Entre as ofertas
que se sentiu obrigado a declinar estava uma que resultaria no papel higiênico
“oficial dos Beatles”.
Parece, porém que, fora isso, praticamente tudo foi aprovado, e o
sucesso dos Beatles foi capitalizado em coisas tão dúbias como lancheiras
oficiais dos Beatles, camisetas, pijamas, calças, blusas, uniformes de tênis, e
– naturalmente – perucas (feitas pela Lowell Toy Corporation, que produzia mais
de 15000 unidades por dia).
Apesar de tudo isso, os quatro
estavam nervosos, e, no avião Paul virou-se para Phil Spector (produtor de
discos americano cuja presença a bordo significava que estavam chegando ao
mesmo tempo em várias frentes) e perguntou: “Já que a América sempre teve tudo,
por que justamente nós vamos fazer dinheiro lá? Eles têm seus próprios
conjuntos. O que vamos dar a eles que ainda não tenham?”
Embora ele não precisasse se preocupar – os Beatles não eram de ninguém,
ou de parte alguma -, a pergunta de Paul era sensata. Eles poderiam tornar-se,
como Sullivan intuiu, novos Elvis – uma variação importada do tema “uma geração
que se define”. Mas esse tipo de sucesso parecia fácil demais. Alimentados pela
genial conspiração das rádios de Nova York, mais de 4000 adolescentes aos
gritos foram saudar os Beatles à saída do avião. Além do reforço normal da
polícia do aeroporto, 110 policiais de elite foram chamados para repelir as
cargas da multidão em frenesi. “Nunca vimos nada igual aqui antes”, ofegava um
oficial do aeroporto, “nunca”. E parecia atormentado ao comentar a faceta mais
surpreendente da multidão: vários dos jovens já estavam com o cabelo escovado
para frente.
Parte 24
JOHN – “Quando minha cabeça parece que começa a inchar, viro-me para
Ringo e aí então percebo que não somos super-homens”.
Anos mais tarde, cabelos compridos passariam despercebidos até em
gabinetes governamentais, mas em 1963 eram notícia. Na verdade, a maioria dos
tantos jornalistas de Nova York que abordaram os assessores de imprensa de
Epstein, céticos, imaginaram que o comprimento do cabelo era a única notícia
ali. Cantores populares raramente eram vistos côo fontes de sabedora – ou mesmo
de coerência. Nas raras ocasiões em que o Coronel Tom Parker deixou os
repórteres falarem com o maior astro dos EUA, Elvis raramente se saía com algo,
mais digno de citação que “sim, senhor” ou “não, senhora”.
Porém, Brian acreditava que os Beatles poderiam conquistar,
encantando-a, a América adulta. E por que não? Se a rainha-mãe os tinha julgado
agradáveis, os Estados Unidos também o fariam. Entre espocar dos flashes no
terminal do aeroporto, exibiram em sua primeira entrevista coletiva nos EUA uma
mescla de irreverência e cinismo que os estabeleceu como pares intelectuais da
imprensa. E, em alguns casos, seus superiores. Isso era uma notícia mais
importante que o cabelo comprido. Era, também, um cavalo-de-tróia, pois, mesmo
quando as falas dos Beatles deixavam os adultos respirar aliviados, sua
irreverência os aliviava aos jovens. Foi o gênio promocional de Epstein que
levou os repórteres a primeira fila do aeroporto; no entanto, os próprios
Beatles premiaram a fé de Brian ao improvisarem as respostas com tamanho brilho
que a entrevista passou ao folclore da noite para o dia.
REPORTERES.
Vocês vão cantar para nós?
JOHN: Antes queremos dinheiro.
REPORTERES.
Como explicam seu sucesso?
JOHN: Temos um assessor de imprensa.
REPORTERES.
Vocês mencionam Beethoven numa de suas músicas. O que acham dele?
RINGO: Amo Beethoven... especialmente seus poemas.
REPORTERES.
O que vocês fazem no quarto do hotel entre os shows?
GEORGE: Patinação no gelo.
REPORTERES.
Vocês têm alguma mensagem para os americanos?
PAUL: Sim, temos. Nossa mensagem é... comprem mais discos dos Beatles.
PAUL: Sim, temos. Nossa mensagem é... comprem mais discos dos Beatles.
“A imaginação dos Beatles”, disse o New York Times, “foi contagiante.” O
repórter, procurando impressionar de alguma forma seus leitores com a natureza
extraordinária desse evento, escolheu um clichê que serviria para qualquer
veterano de milhares de entrevistas coletivas: “Os fotógrafos até esqueceram e
fazer as fotos”.
Em seguida vieram: a ida para o Plaza (um hotel sossegado que aceitara a
reserva de um grupo de homens de negócios ingleses alguns meses antes e não
ficou nada feliz ao descobrir que eram John, Paul, George e Ringo); multidões
de garotas gritando sem parar; uma viagem a Washington; mais garotas aos
gritos; o trem de volta a Nova York (“Multidões de olhar selvagem perseguem os
Beatles” foi a manchete do times); os shows lotados no Carnegie Hall; e um vôo
para Miami.
Parte 25
Apesar desse entusiasmo, a imprensa não estava bem segura como tratar os
Beatles. Na maioria das primeiras reportagens, são descritos como praticamente
indiferenciáveis uns dos outros; mesmo o sagaz repórter do Herald Tribune os
descreveu como “quatro moleques descompromissados de Liverpool que vestem
paletós de quatro botões, calças apertadas, botas de cano alto saltos cubanos.
E que parecem cômicos”. Talvez devido a essa confusão, atribuiu a observação de
Ringo sobre Beethoven a John.
Essas confusões hoje parecem quase impossíveis – não só porque cada um
dos Beatles desenhou uma imagem clara em nossa mente, mas também porque mudaram
a forma como a cultura popular era tratada pela imprensa. Pouco a pouco, surgiram
especialistas nos diários; “críticos de rock” começaram a analisar a música com
seriedade quase religiosa. E, talvez o mais importante, um novo tipo de
publicação apareceu. Algumas dessas revistas ou jornais “underground” tiveram
curta duração, mas todas eram mais que os simples “boletins dos fãs” no velho
molde pré-Beatles. As melhores levaram a sensibilidade pop a tratar dos
assuntos políticos, que antes só eram enfocados com a solenidade do Times ou o
sensacionalismo do Daily News de Nova York. A rede da contracultura, menos
sisuda, criou e deu validade à cadeia de eventos hoje rotulada em bloco como
“os anos 60”.
Que na verdade ainda não existiam em 1963. E, ainda que a imprensa fosse
globalmente favorável aos Beatles, estava, da mesma forma que na Inglaterra,
muito mais centrada no evento que na música.
Isso não era surpresa, pois a música – enquanto música – era difícil de
classificar; quando os jornais tentavam levar o pop “a sério”, os resultados
eram cômicos. Theodore Shongin, crítico de música erudita do New York Times,
observou (em tom coloquial, ao contrário do London Times) que a música dos
Beatles era “diatônica” (é uma escala de oito notas, com cinco
intervalos de tons e dois intervalos de semitons entre as notas), notando, logo em
seguida, que “três dos quatro Beatles tocam instrumentos de cordas dedilhada,
eletronicamente amplificados, de diferentes tamanhos”. O crítico de jazz John
S. Wilson, ao comentar as apresentações no Carnegie Hall, fugiu ainda mais à
questão, contentando-se em descrever a platéia. Seu longo artigo não mencionava
nenhuma das canções pelo nome – presumidamente porque nenhum crítico levava a
música pop a sério o suficiente para aprender qualquer nome de música.
Parte 26
Alinha divisória, assim, estava traçada não tanto entre os que pensavam
que os Beatles eram “agradáveis” e os que os julgavam “importantes” – mesmo os
sociólogos de ouvido apurado garantiam-lhes a importância de um fenômeno -, mas
entre dois campos totalmente diferentes: os que ouviam a música e os que não a
ouviam.
Em nenhuma outra parte essa divisão era tão clara como entre os
apreciadores do folk. Embora centrados em Nova York, tinham postos avançados
(ou pelo menos bares e cafés) em praticamente todas as cidades universitárias
dos EUA. Eram inegáveis conhecedores, achando o popular Kingston Trio uma
contrafação óbvia. Mais, sua preocupação com a música era uma forma de estender
a camaradagem cultural do colégio e – finalmente – uma antecipação da cultura
rock que estava para explodir. Apesar de sua nostalgia pelos heróis operários
de Woody Guthrie, os folkies não se preocupavam em disfarçar seu desprezo pela
cultura contemporânea da classe trabalhadora. Rock ‘n’ roll era, segundo a
frase feita, “música com borbulhas”. Os mais empedernidos nunca venceriam esse
esnobismo, e certamente jamais perdoaram a Bob Dylan não ter sido tão tacanho
como eles.
Dylan, sem dúvida a força criativa central entre os
“cantores-compositores” dos anos 60, ouviu os Beatles pela primeira vez no
rádio de seu carro, em 1964, viajando pelo interior. “Eles estavam fazendo
coisas que ninguém fazia. Todo mundo pensou que eram um modismo para
menininhas, que logo, logo iriam sumir. Mas era óbvio para mim que tinham o
poder da permanência. Logo vi que eles estavam apontando na direção para onde a
música devia ir.” Nem Brian podia desejar mais.
Na volta à Inglaterra, os Beatles foram recebidos como a vanguarda não
apenas de um momento musical, mas de um movimento de geração. O vestuário, o
cabelo, sexo, música drogas, até o New York Times... nada, após os Beatles,
seria o mesmo.
Parte 27
Os Beatles voltaram à Inglaterra como heróis conquistadores; a jogada
monumental de Epstein também deu certo na terra natal, e o primeiro-ministro
louvou sua “útil contribuição ao balanço de pagamentos”. No entanto, eles não
dormiram sobre os louros (ficar descansado após os êxitos obtidos).
Em março, duas semanas após a volta, John publicou seu primeiro livro,
In his own write. Embora os leitores do Mersey Beat já soubessem a muito que
seu talento verbal se estendia muito além de “yeah, yeah, yeah” (sua coluna,
com o pseudônimo “Beatcomber” – paródia de “Beachcomber”, célebre humorista
inglês – era a única seção do jornal que se podia classificar como tendo um
estilo), o resto da Inglaterra não estava preparado. Essa coletânea de contos
galhofeiros e cenas bufas englobando temas tão joviais como assassinato
doméstico, canibalismo e ódio racial foi recebida com surpresa e admiração.
O suplemento literário do Times notou que o livro “merece a atenção de
quem quer que tema pelo empobrecimento do idioma inglês e da imaginação
britânica”. Vendeu mais de 300.000 exemplares na Inglaterra e também foi Best
seller nos EUA, onde o crítico da Newsweek – menos preocupado que o do Times
com o futuro da imaginação britânica – observou ‘corretamente que o livro
“sugere que, quando John canta ‘quero pegar sua mão’ (I want to hold your hand),
na verdade desejaria é mordê-la”.
Ah, sim, enquanto isso um novo disco ia para o primeiro lugar em março:
Can’t buy me Love, que Paul e John compuseram quando estavam a caminho para
gravar um show de Ed Sullivan em Miami. E em seguida entraram nos estúdios de
cinema.
Nada antes em sua carreira fixou tão firmemente a imagem dos Beatles ou
ampliou sua audiência como o filme A hard day’s night (Os reis do ié,ié,ié).
Seu baixo custo (600.000 dólares), fixado antes do sucesso dos Beatles, fez com
que o filme fosse tudo menos uma superprodução. Rodado em preto e branco, e
recheado de truques de câmera da nouvelle vague, era um pseudodocumentário
maluco sobre um dia “típico” dos Beatles. A maior parte do tempo estão fugindo
dos fãs e são irreverentes com os mais velhos (que sempre fazem por merecer a
irreverência). Nas melhores partes, o filme sintetiza a perfeição a mensagem
que os Beatles colocavam em suas canções: eles se sentiam um pouco deslocados
neste mundo, mas isso podia ser mais culpa do mundo que deles.
Parte 28
Desde a estréia em Londres naquele julho, A hard day’s night foi um
tremendo sucesso comercial – e ainda permanece como um dos filmes mais
lucrativos da história, em relação ao investimento. Além disso, seu êxito de
crítica foi ainda mais impressionante, pois forçou uma geração que
automaticamente desdenhava os Beatles a encará-los seriamente como artistas.
Vejam o tom quase incrédulo dessas publicações extasiadas:
“Com toda a má vontade do mundo, a gente se senta ali, olhando e ouvindo
– e sente a inteligência dissolver-se em meio à aprovação unânime” – Newsweek.
“Isto vai surpreender você – talvez até o faça pular da cadeira -, mas o
novo filme com esses sujeitos incríveis é uma grande comédia. Eu também não
teria acreditado se não tivesse visto com estes meus olhos maravilhados” –
Bosley Crowther, The New York Times.
”A gente se aproxima dos Beatles com apreensão, pensando em penteados
idiotas e Lamúrias gritadas e melancólicas. Mas A hard day’s night é um filme
inteligente e com estilo, divertido em sua audácia e modernidade” – Arthur Schlesinger
Jr., Show Magazine.
Enquanto A hard day’s night ainda fazia o circuito dos cinemas de
primeira exibição do país, os Beatles começaram sua primeira turnê americana
“de verdade” (o furacão da primeira visita tinha sido essencialmente um golpe
publicitário). Desta vez, a extravagância de um mês incluía paradas em 24
cidades. A principio, pensou-se em apenas 23, começando em San Francisco e indo
para o leste, mas Kansas City foi acrescentada quando Charles O Finley – mais generoso
com os Beatles que com seu time de beisebol – ofereceu a impressionante quantia
de 150.000 dólares por uma apresentação. Eles podiam passar perfeitamente sem
isso, mas Esptein percebeu o valor publicitário da oferta e persuadiu-os a
aceitar.
Outros empresários não gostaram da notícia, no entanto, e Variety
observou que “outro fator negativo com os Beatles é o fato de que muitos
artistas nacionais começaram a exigir o mesmo nível de cachê. É um segredo
público que, assim que os Beatles assinaram o primeiro contrato por 25.000
dólares garantidos contra 60 por cento da renda, Bob Hope pediu o mesmo tipo de
acerto. Antes, suas apresentações tinham um cachê garantido por volta de 15.000
dólares”.
Em pouco tempo, dinheiro algum iria parecer suficiente, pois se tornaram
prisioneiros das excursões. Ostensivamente disponíveis para os fãs, na verdade
estavam reclusos do mundo. Seus hotéis eram assediados, os veículos que os
transportavam iam superlotados. Apesar – e talvez por isso mesmo – do séquito
intercambiável de groupies (as fãs mais ardorosas), suas vidas se tornaram um
indistinto quarto de hotel, com um acompanhamento invariável de muita
transação.
Mas eles não eram prisioneiros apenas das circunstâncias; as próprias
situações os tornavam hipócritas. Ao pensar nos tipos adoráveis de A hard day’s
night, temos de nos esforçar para imaginar quem eram, na verdade, seus
equivalentes na vida real. Como recorda John “quer dizer, nós tínhamos essa
imagem, mas, sabe, as viagens eram uma coisa completamente diferente, as excursões
dos Beatles eram como o Styricon de Fellini”. O quarteto se dedicava Cada vez
mais às anfetaminas e à bebida. Tinham
de buscar satisfação de alguma forma.
Parte 29
O prefeito de Cafundó queria
tirar uma foto ao lado de Ringo? Ótimo. Não havia nada que os rapazes mais
desejassem. A Rádio XXXX queria uma rápida entrevista com John? Claro. Não há
problema. Espere só a gente arrancar aquela mocinha, a filha do prefeito de
Cafundó de baixo do chuveiro dele, ok? O disc-jóquei de Cafundó, a versão local
do autoproclamado quinto beatle, quer uma exclusiva com Paul? Mas que bom. Diga-lhe para trazer as bolinhas
para o quarto 1633 – e desta vez traga também duas garotas a mais para o
pessoal da promoção. Desculpe, impossível entrevistar George. Ele está se
levantando bem agora.
Se por um lado perderam totalmente sua privacidade, os excessos tornaram
sua vida tão privada que nenhum contato humano era permitido sem aprovação
prévia. Os aprovados – jornalistas -, de qualquer modo, faziam todos as mesmas
perguntas, e as respostas começaram a fluir com tanta sinceridade como o
sorriso de um político. Muito antes de seus lamuriosos sucessores começarem a
compor lamentos fúnebres e lucrativos sobre os desgastes de uma turnê, os
Beatles estavam esgotados delas.
Eles estavam seriamente preocupados com sua música. Sentiam que estavam
em seu período mais fértil, mas a música não se desenvolvia. Na verdade, com
freqüência pareciam estar decaindo. Em Hamburgo, as jornadas noturnas de oito
horas obrigavam a mudar e crescer; mesmo a primeira excursão inglesa tinha
alguns shows com horas de duração. Mas as viagens pelo mundo eram diferentes.
As apresentações ficavam estritamente limitadas a trinta minutos, e a seqüência
das músicas era idêntica toda noite. Na melhor das hipóteses podiam amadurecer
o já feito, mas essas viagens não ofereciam condições decentes de trabalho. Os
hotéis e as viagens aéreas eram de primeira classe, mas o equipamento de som
era extremamente primitivo. Os Beatles tocavam normalmente em estádios imensos
com equipamento que um conjunto de bar que se respeite recusaria hoje.
Parte 30
RINGO: “Me perguntaram por que uso anéis nos dedos. Respondi que é
porque não consigo encaixá-los no nariz.”
Não tinham escolha. Já que eram eles a inventar a excursão do rock ‘n’
roll nessa escala, a tecnologia para realizá-lo simplesmente não existia.
Trabalhavam, por exemplo, sem mesa de som, e, no meio das multidões,
ensurdecedoras e com os amplificadores no último volume, não conseguiam quase
ouvir um ao outro. Perdiam o ritmo, cantavam fora do tom, mandavam tudo às
favas e acabavam fingindo que cantavam, só mexendo os lábios. Mas ninguém se
preocupava; eles eram os Beatles.
Assim, embora a agitação constante e os disparadores das câmeras
perseguissem os Beatles em público o tempo todo, os desenvolvimentos musicais
importantes dos anos de excursões tiveram lugar fora do palco. Nessas primeiras
turnês, os Beatles eram uma banda de rock ‘n’ roll: o ritmo era tudo. A
guitarra solo de George submergia, limitada às partes sem vocal, e o som
dominante eram o ritmo de John e os pratos de Ringo. As harmonizações vocais
eram mais incomuns (uma mistura de Everly Brothers com Little Richard e Dell-Vikings,
tudo muito bem feito), mas o solo vocal era muitas vezes feito por duas ou três
vozes em uníssono; o resultado era tão denso que se tornou um jogo para as fãs
adivinhar quem cantava o que. Finalmente, embora os primeiros discos tivessem
uma parcela relativamente pequena de material gravado sem maior cuidado, o
produtor George Martim era forçado a gravar com eles no que hoje parece uma
pressa irresponsável; ouçam, por exemplo, as vozes saindo de tom em Hold me
tight, no segundo LP.
Mas os discos eram gravados – e, o mais importante, comprados – como
álbuns, não como uma coletânea de um ou dois compactos de sucesso seguidos dos
respectivos lados B e reinterpretações de outros cantores. Embora esses LPs
pareçam simples demais em comparação com Sgt. Pepper ou Revolver foram eles que
redefiniram o mercado musical. Antes dos Beatles, o bom senso convencional
estabelecera que os jovens compravam compactos e os pais compravam álbuns. As
verbas maiores – em produções luxuosas, com as cordas de Percy Faith e os Ray
Charles Singers fazendo “Uuh, uH no fundo – iam, assim, para artistas “adultos”
como Perry Como e Patti Page.
Parte 31
PAUL: “A comoção não nos perturba mais. É como trabalhar uma fábrica de
sinos. Com o tempo não se ouvem mais os sinos.”
Os Beatles, ao gravarem suas próprias composições e os clássicos da
geração anterior, tinham começado a modificar essas concepções mercadológicas
mesmo antes de A hard day’s night; a partir daí, no entanto, passaram a gastar
mais tempo no estúdio, e seu trabalho evoluiu gradualmente, enquanto sua
amplitude se expandia junto com a tecnologia de gravação. O último compacto de
1964, I feel fine, começava com um “buzz” longo de guitarra e terminava com o
que parecia o acompanhamento de cães uivando. Mas o disco foi direto para o
primeiro lugar na Inglaterra e nos EUA, dando-lhes segurança para continuarem
suas experiências. Antes de voltar aos estúdios, porém, passaram quatro meses
realizando seu filme seguinte, Help!, que estreou em julho de 1965. Retornaram
à Inglaterra, contudo, em junho, quando foi anunciado que a rainha iria
condecorá-los como MBEs (membros da Ordem do Império Britânico) por seus
serviços ao comércio do país.
Isso provocou um esplêndido alvoroço, dos que se pensa que existem
apenas nas páginas dos pasquins de humor (pelo menos, foi um caso em que a vida
imitou claramente a arte). Muitos antigos MBEs devolveram suas medalhas,
ofendidos, e um deles, um tenente-coronel reformado, chegou a excluir o Partido
Trabalhista de seu testamento, onde constava como herdeiro. O deputado
canadense Hector Dupuis falou em nome desse grupo quando escreveu que julgava
que heróis de guerra não podiam ser “rebaixados ao nível desses vulgares
pelintras”. George sugeriu que se Dupuis não queria mais a condecoração, “pode
mandar para nós. Assim, podíamos dá-la ao nosso agente, Brian Epstein. ‘BEM’
vai bem com o nome: ‘Sr. Brian Epstein’”.
Epstein parecia mais emocionado que os Beatles pela condecoração; John,
pelo menos, teve de ser convencido de que aceitá-la não iria violar nenhum de
seus princípios. Mas após a cerimônia, em outubro, que lhe deu a segunda oportunidade
de observar a realeza em close up, não pôde deixar de se mostrar um tanto
impressionado: “Estou achando mesmo que a rainha acredita nisso tudo. Só pode
ser. Eu não acredito em John Lennon, um beatle, como um se diferente de
qualquer outro, porque sei que ele não é. Não passo de um homem comum. Mas
estou certo de que a rainha deve pensar que ela é diferente”. E os leitores
mais atentos terão notado que ele também estava um tanto alterado. Isso porque
a habitual vivacidade dos Beatles pareceu desvanecer pouco antes do encontro
com a rainha , e então, num banheiro do Palácio de Buckinghan, fumaram
rapidamente um pouco de maconha.
No entanto, apesar de algumas risadas fora de hora, conseguiram
atravessar a cerimônia sem arranhões à dignidade da Coroa. Ou à de Liverpool.
O rebuliço sobre BEM foi temporariamente eclipsado quando partiram para
uma turnê de verão à França, Itália e Espanha, onde receberam as adulações
agora habituais. Enquanto estavam fora, o segundo livro de John, A Spaniard in
the works, veio à luz. Como o primeiro, tornou-se quase instantaneamente Best
seller, mas, apesar de algumas criações maravilhosas – especialmente Jesus El
Pifco, “fascistinha comedor de alho, gorduroso e amarelento” -, o livro parecia
sempre igual, sem o elemento de surpresa que tornara In his own write tão
especial.
Essa sorte foi compartilhada por Help! (Socorro!) – com a diferença
importante de que esse filme realmente não estava à altura do anterior. Era
divertido – a inspiração em James Bond permitiu algumas cenas de perseguição
ótimas, e Leo McKern era um vilão espetacularmente bem retratado -, mas isso
era tudo.
Parte 32
E não suficiente, pois, longe da atmosfera rarefeita da beatlemania, a
música pop começava a se tornar algo mais que divertimento. A transição era representada
por The Byrds, conjunto folk mangué da costa oeste americana, que a Newsweek
descreveu como “Beatles dylanizados”; a crítica Lillian Roxon retificou com
acerto a direção da corrente, ao afirmar que eram, na verdade, “dylans
beatlizados”. Os Beatles legitimaram a forma do rock ‘n’ roll, e os Byrds, seu
conteúdo; na sua trilha, emergiu toda uma série de rivais americanos ao trono
dos Beatles.
Alguns deles eram veteranos do universo folk de Nova York, mas, na costa
oeste, The Doors exprimiam suas ameaças musculosas e plenas de mistérios, e até
The Beach Boys ousavam abandonar seu pequeno carro cupê pelas sublimes
confusões de Smile. A mudança se completou quando Bob Dylan insultou seis fãs
adotando o som eletrificado.
O verão de 1965 foi uma estação extraordinariamente musical, com certeza
a melhor desde o auge de Elvis e Buddy Holly. Entre os sucessos estavam Mr. Tambourine man, com os Byrds,
Satisfaction, dos Rolling Stones, Ticket to ride, dos Beatles, e Like a Rolling
Stone, de Dylan. O rock ‘n’ roll se tornou rock naquele ano; de repente, os Beatles –
ainda sacudindo com Dizzy Miss Lizzy e Can’t buy me Love as garotas que
gritavam no Shea Stadium – pareciam cantores de canções bobas de amor. Não
obstante, eram eles a força seminal da nova música; o crítico Robert Christgau,
em 1973, pagou-lhes o devido tributo ao definir “rock” como “toda música
derivada primariamente da energia e da influência dos Beatles – e talvez um
pouco também de Bob Dylan -, e é melhor enfiar quaisquer outros pretendentes em
outro lugar”.
Pelo fim de 1965, os Beatles voltaram ao estúdio, saindo dele muito à
frente de seus rivais. O lançamento de Natal desse ano, Rubber soul, é para muitos
seu melhor disco. Embora continuassem a excursionar no verão seguinte, Rubber
soul foi um divisor de águas. Mais do que uma afirmação que perseguiam – e
certamente era isso -, representava o novo padrão pelo qual os discos seguintes
dos pretendentes ao trono seriam medidos. As alusões misteriosas de Norwegian Wood, a simplicidade cálida de In my
life, as modulações harmônicas surpreendentes de You won’t see me...tudo isso
acompanhado de uma riqueza e virtuosismo instrumentais que os álbuns anteriores
apenas sugeriam. Mais de quinze anos depois, o disco conserva todo o seu vigor.
Sem perder a garra. Os Beatles deram a Rubber soul uma profundidade e uma
textura que faltavam há muito na sensibilidade pop.
Parte 33
Esse álbum foi o argumento mais persuasivo de que seu futuro estava mais
no estúdio que na estrada, mas ainda havia muito chão a percorrer antes de
assentar a poeira. No verão europeu de 1966, ainda excursionaram pela Alemanha,
Japão, Filipinas e Estados Unidos.
Nessa época, eram considerados uns esquizofrênicos musicais. Sua
imaginação se dirigia para os caminhos de Revolver e Sgt. Pepper, embora ainda
houvesse fãs que desejavam só gritar e atirar “feijõezinhos”. Neste ponto,
pagaram a pena imposta aos pioneiros.
Como os Beatles vieram antes – eles criaram o público do rock -, os
grupos posteriores já não esperavam agradar simultaneamente aos adolescentes e
aos intelectuais. A maior parte se especializava, tentando tirar o máximo
proveito disso. Assim, enquanto The Monkees ganhavam os jovens americanos –
sendo desprezados por isso -, de grupos como o Jefferson Airplane, The Rolling
Stones e The Who não se esperava que fossem bonitos e burrinhos. Os Beatles,
ainda lutando para fazer tudo ao mesmo tempo, tinham de agüentar observações gratuitas
como a de Hunter Thompson, de que “os Rolling Stones querem saquear nossa
cidade; já os Beatles só querem pegar nossa mão”.
O que mais aborrecia, talvez, era seu papel como exemplo para a
juventude – algo que nem mesmo o publicitário mais ousado tentaria usar como
promoção dos Rolling Stones -, que os fazia vulneráveis aos ataques do mundo extra
musical. Assim, enquanto os críticos americanos julgava o LP Yesterday and
today um passo atrás (na verdade não era passo para parte alguma, mas apenas uma
coletânea pouco escrupulosa de compactos e sobras de LPs britânicos feita pela
gravadora americana), a direita começava a reconhecer a importância deles.
Parte 34
Enquanto a força emotiva do rock ‘n’ roll se mesclava às forças emergentes
que viriam a ser designadas como “o Movimento”, a direita descobria comunistas
emboscados nos amplificadores dos Beatles. Os animados membros da Deixem a
Liberdade Soar (ramificação da Sociedade John Birch no Estado de Indiana)
denunciaram o “processo destrutivo” conduzido pelos Beatles, argumentando que
“cientistas comunistas descobriram que música de ritmo sincopado (Na música, a sincope indicaria os
desvios no padrão
rítmico em que o som - articulado na
parte fraca do tempo ou do compasso - prolonga-se
para a parte forte do tempo seguinte, como música africana, por exemplo, ou o
samba como conhecemos) nas passagens agudas, tocada com uma batida
insistentemente regular, a ponto de conduzir ao estado de frenesi, pode
produzir efeitos histéricos nas pessoas mais jovens, como se estas acabassem
desejando correr loucamente para duas direções ao mesmo tempo”. Essa profunda
análise foi, digamos assim, amplificada por um pastor itinerante da Cruzada
Cristã de Billy Hargis. Prevenindo que “a bateria é o segredo – o pequeno
Ringo!”, o Reverendo David Noebel galvanizou congregações com a ameaça de que
“no estado de excitação a que os Beatles conduzem esses jovens, estes farão
qualquer coisa que lhes seja ordenada. Um dia, quando a revolução amadurecer,
os comunistas levarão os Beatles à TV para hipnotizar em massa a juventude
americana. Isso”, concluía numa frase que constituía uma verdade óbvia, “me faz
perder o juízo”.
Esses ataques a bodoque (atiradeira que
se usava antigamente para caça) e tacape (Arma ofensiva, espécie de clava usada pelos indígenas) eram mais divertidos que dolorosos; com certeza não surtiam efeito
algum sobre as sempre crescentes multidões que iam ver os Beatles. Mas, na
parada em Manila, na excursão de 1966 ao Extremo Oriente, enfrentaram um motim
de espécie muito menos divertida que as agressões anteriores.
As ruidosas fãs americanas podiam querer arrancar
os botões de suas roupas; os filipinos, porém, queriam esquartejá-los. Parece
que os rapazes caíram no desagrado da mulher do ditador-presidente Marcos ao
deixar de comparecer a um almoço no palácio presidencial. Eles alegaram não ter
recebido o convite, mas a Sra. Marcos considerou sua ausência uma atrevida
afronta à honra das Filipinas. Diante da curiosa impassibilidade da polícia
nativa, tropéis de estudantes alvejaram com socos e pontapés os Beatles
enquanto estes passavam correndo a toda para o avião. Mais tarde, o Presidente
Marcos se justificou pela “violação da hospitalidade”; John, diplomático como
sempre replicou: “Eu nem sabia que eles tinham presidente”.
Parte 35
Foi outra tirada de Lennon que causou a mais bizarra história de caça
aos Beatles, nos EUA, durante o verão americano de 1966. Em fevereiro, numa
entrevista a Maureen Cleave, do London Evening Standard, John declarou: “O
cristianismo vai passar. Vai encolher até sumir. Não preciso discutir isso, sei
que estou certo.
“Neste momento somos mais populares que Jesus Cristo”. Esses comentários
foram feitos sem emoção, durante uma entrevista séria a uma publicação
responsável, mas logo escaparam do contexto, ao serem reproduzidos por uma
frívola revista para adolescentes, a Datebook. Barulho à vista! O tipo de
indivíduo que sempre soube que os Beatles eram uns comunistinhas se deliciou ao
ver confirmada a asserção de que eram também uns ateus sem fé nem deus.
Defrontando-se com estações de rádio que cortavam da programação as
músicas dos Beatles (principalmente, mas não só, no sul dos EUA) e com
promessas de “fogueiras beatles” gigantescas, Brian Epstein atravessou o
Atlântico a jato para trazer palavras conciliadoras. As primeiras destas,
porém, só fizeram aumentar a confusão; ao New York Post, Brian disse que a
declaração de John era “séria, e foi mal interpretada”. A tempestade aclamou
mais tarde, quando John se justificou numa entrevista coletiva, e sua
explicação foi aceita in absentia pelo jornal oficial do Vaticano,
L’Osservatores Romano. (Um editorial dos céus mais impressivo, no entanto, foi
um raio que colocou a rádio texana KLUE fora do ar depois que esta organizou
uma fogueira de discos dos Beatles). Em retrospecto, os comentários feitos
pelos quatro Beatles contra a Guerra do Vietnam na mesma entrevista coletiva
parecem hoje muito mais importantes. Independente da causa (e a declaração de
John não deve ser descontada), as platéias das excursões de 1966 foram um pouco
menores que as do ano anterior. Até em Nova York, que dificilmente se poderia
considerar um bastião do cristianismo fundamentalista, havia lugares vagos no
Shea Stadium. E, embora duas garotas de Staten Island ameaçassem jogar-se do
22º andar de um hotel se não lhes permitissem ver os Beatles (após meia hora de
conversa, a polícia as agarrou e levou para tratamento num hospital próximo),
havia adolescentes na multidão que foi esperá-los no aeroporto.
Assim, atravessaram o país, respondendo a perguntas sobre cristianismo
em toda parte, até chegarem a San Francisco, onde fizeram, a 29 de agosto de
1966, a última apresentação dos Beatles num palco.
As rádios que transmitiam a apresentação não perceberam isso; Brian, que
esperava fazê-los voltar atrás, insistiu em que a decisão não fosse revelada
antes de poder notificar seu velho empresário britânico. Segundo todos os relatos,
no entanto, a última apresentação dos Beatles foi, musicalmente, tão sem brilho
como as imediatamente anteriores. Eles estavam exaustos – tinham atravessado a
duras penas um continente, escapando de todas as fãs (com exceção de umas
poucas escolhidas) – e aborrecidos. Até Ringo, que chamou esses anos “a melhor
época da minha vida”, admitiu as frustrações: “As jornadas de trabalho eram de
24 horas, sem intervalo. Imprensa, pessoas tentando entrar no quarto de hotel
da gente, escalando 25 andares pela calha de chuva se continuasse desse jeito,
eu teria ficado louco”.
Finalmente, superaram o nível musical exigido pelos fãs que assistiam
aos shows. Uma repassada das canções que tocaram nessa turnê é instrutiva, pois
estavam repleta de temática “eu”, “amo”, “você”, ”quero”, ”preciso”, ”desejo”, ”lábios”,
que vinha desde os tempos de colégio de John e Paul. Ainda que pudessem se
ouvir no palco - e mesmo que não tivessem começado a sentir um desprezo fatal
por suas platéias fáceis demais de agradar -, era o momento de parar. Nunca
poderiam voltar a ser o conjunto que haviam sido, e, pelo menos desta vez,
deram o fora com muita dignidade.
Parte 36
As razões por que as excursões se tornaram musicalmente cada vez mais
sem sentido para os Beatles ficaram óbvias com Revolver. O álbum, lançado
imediatamente após o final da turnê, elevou consideravelmente o nível atingido
em Rubber soul: era praticamente irreproduzível ao vivo. O desnível contextual entre
sua velha música e a nova continua a alargar-se – como disse Paul: “Não dá pra
compor músicas de quinze anos quando a gente tem vinte, porque já não pensamos
mais como aos quinze anos”. Mas foram os recursos técnicos que fizeram de
Revolver um choque – Paul novamente: “Tem sons ali que ninguém fez ainda... ninguém
mesmo... nunca”.
Talvez. Certamente ali estavam sons que os Beatles nunca tinham feito
antes; de fato, Yellow submarine, o compacto tirado do LP para coincidir com a
última viagem, quase não tem música beatle típica. Há uma base ultra-simples levada
pelo baixo e a bateria, acompanhada por acordes tocados acusticamente, mas a
“música” é construída na verdade por uma estranha mistura de efeitos de som:
banda de metais, ondas do mar e recipientes de vidro. No lado B, Eleanor Rigby,
o conjunto nem aparece, substituído por um octeto de cordas arranjado por
George Martin.
A partir de Revolver, com certeza (e talvez de Rubber soul), Martin
assumiu um papel diferente na produção dos discos dos Beatles. No inicio, ele
realizava milagres sonoros – fazendo o grupo soar mais alto que qualquer outro
artista sem aumentar o volume acima dos níveis de gravação nem irritar as
estações de rádio. Pela época de Revolver, seu trabalho tinha se modificado.
Não se limitava mais capturar um som existente; ao contrário, inventava equivalentes
para os sons que existiam na cabeça dos Beatles. Pode-se dizer que nessa época
ele deve ter ficado profundamente grato à experiência como produtos dos discos
do velho Goon show.
Sua formação musical mais tradicional também se tornou mais útil nesta
fase da carreira dos Beatles, pois, apesar de sua crescente ambição, nenhum
deles escrevia música. (Apenas George estava aprendendo a notação musical do
Oriente, mas não por mera curtição.) Alguém tinha de saber falar a linguagem
dos músicos clássicos que começavam a se revezar nas gravações dos Beatles.
Esse alguém era Martin.
E, diga-se de passagem, enquanto ele dava o melhor aos Beatle, estes
refreavam o convencionalismo que havia em Martin. Este era um concertista de
oboé (é instrumento musical de sopro, classificado como um aerofone,
membro da família das madeiras e de palheta dupla), mas como compositor (basta
ouvir sua participação nas trilhas sonoras dos equivalentes ao de um cartão de
boas-festas engraçadinho. Por outro lado, em Yesterday e Eleanor Rigby, os
contrapontos de seus arranjos de cordas contrabalançavam a tendência das letras
à insipidez. Seguramente, ao trabalhar com os Beatles nesse período, ele se
tornou o primeiro produtor a trabalhar um disco faixa por faixa - criando não
apenas um novo produto, mas uma nova arte.
Parte 37
Revolver era um exemplo excelente da nova
forma. Somando-se à – e às vezes substituindo-a – base guitarras-baixo-bateria,
o disco inclui sopros, cordas, instrumentos indianos, arranjos vocais densos
usando muitos canais, e, como afirmou um crítico, “um filtro que faz John
Lennon parecer Deus cantando através de um megafone”.
Finalmente, o álbum é também significativo ao
marcar explicitamente a distância cada vez maior entre os principais
compositores do grupo. Enquanto Paul elaborava a técnica narrativa, de Drive my
car até Eleanor Rigby, e a de composição de baladas, de Yesterday até Here,
there and everywhere, John estava completamente noutra.
“Tradicional” não é bem um termo para
designar os que têm apenas a velocidade como vício; assim é melhor falar dos
primeiros Beatles como “conservadores”. Eles tomavam bolinhas apenas para
agüentar o ritmo, e isso era tudo. Nem mesmo tinham provado maconha antes de
Bob Dylan baratinar John após a apresentação do primeiro em 1964, no Albert
Hall. Essa ocorrência envolveu mais de uma substância nova, pois introduziu-os
num estilo totalmente novo de usar drogas. A explicação racional de uso
medicinal para o consumo de pílulas por eles não se aplicava mais neste caso. A
maconha era menos uma muleta que uma recreação para expandir a consciência.
Eles a fumavam com o mesmo entusiasmo que
tinham por qualquer outra coisa – o que significa que se entregam de corpo e
alma à nova experiência. Help! foi rodado em meio a uma nuvem de fumo, e não
demorou que imitassem os milhares de colegas que já tinham dado o próximo passo
químico lógico.
John e George foram os primeiros a tomar
ácido, que lhes foi dado, curiosamente, por seu dentista, numa festa, após o
jantar, em 1965.
Então, durante uma estada em Los Angeles
John, George e Ringo começaram a consumir ativamente a droga. Paul, que não se
decidiu a prová-la, se sentia um pouco por fora. Mais tarde, entretanto, também
entrou na roda, assim como Brian, Neil Aspinall e praticamente todo o mundo das
relações dos Beatles. Ninguém, contudo, foi tão fundo como John.
Parte 38
Nas suas próprias contas, John fez mais de mil
viagens com ácido. Na sua famosa entrevista de 1970 a Rolling Stone, disse: “Eu
costumava simplesmente comer aquilo o tempo todo”, e não parecia estar
exagerando. Como era de esperar, houve conseqüência. Algumas se fizeram sentir
no casamento – Cynthia Lennon escreveu que a relação começou a se deteriorar
“no momento em que a cannabis e o LSD cavaram seu fosso insalubre em nossas
vidas”. O mais assustador eram as crises íntimas que o oprimiam, trazendo a
sensação de inutilidade. John recorda uma tarde em que o assessor de imprensa
Derek Taylor tevê de conversar com ele durante uma dessas depressões. “Ele
acabou dizendo algo como: ‘Você é ótimo! ’, e ficou contando as músicas que eu
tinha composto. ‘Você fez esta’, e ‘Você disse tal coisa’, e ‘Você é muito
inteligente, não tenha medo’.”
Mas, apesar dessas subidas e descidas pela
escada do ego, John continuou a compor mesmo nos períodos dos maiores excessos.
Muitas palavras inspiradas pelo ácido apareceram nos discos dos Beatles, e
Revolver apresentava um espectro típico: And your bird can sing – embora a música
seja no estilo beatle, a letra parece deliberadamente impenetrável. Já Tomorrow
never knows é uma síntese brilhante das pesquisas orientais de George e das
viagens anteriores de John. É uma música de época, mas muito representativa.
Nos meses após Revolver, passaram a
desenvolver seus interesses musicais separadamente. E a levar vidas próprias
também. Agora três dos quatro eram casados, e Paul parecia perfeitamente
estabelecido dom a atriz Jane Asher. Após os anos de estrada e de estúdio,
encontravam o que fazer em casa.
Eles também tinham um mundo – que a vida como
Beatles ajudou a criar – a explorar como indivíduos. John foi para a Alemanha e
a Espanha fazer um papel secundário no novo filme de Lester, How I won the war
(Como ganhei a guerra); Paul fez uma trilha sonora inexpressiva para uma
comédia dos Irmãos Boulting, The family way (que por sua vez merecia ainda
menos); Ringo e Maureen tiraram férias na Espanha, voltando para decorar a casa
nova; e os Harrison foram para a Índia.
Enquanto os Beatles estavam fora, divulgou-se
a notícia de que não iriam mais excursionar. Nenhum grupo pop até então
sobrevivera apenas com os discos; assim, alguns repórteres declararam a morte
dos Beatles. Esse era o tom de um longo artigo do Sunday Times de Londres em
novembro de 1966. “A semana passada” começava a matéria, “tudo indicava que o
fenômeno Beatles está terminando... no sentido de que o melhor de sua música
era uma expressão de puro prazer, por serem um grupo muito unido de jovens
divertidos e atraentes. A maturidade, com o desvanecer de seu narcisismo
coletivo e o desabrochar de interesses particulares, vem determinar o fim
desses fenômenos.”
Não tão já, Sunday Times. Um mês e meio
depois da publicação desse artigo, os Beatles entravam no estúdio para começar
a trabalhar no que muitos consideram sua obra-prima, Sgt. Pepper’s Lonely Club
Band.
Parte 39
RINGO: - “Somos desprentensiosos, sem
afetação e britânicos até a medula”.
Seu primeiro álbum tinha sido gravado – ao
que parecia, há uma geração – num só dia, ao custo de 2000 dólares, Sgt. Pepper
iria tomar quatro meses e custar 100.000 dólares. Hoje, esse custo mal cobre o
orçamento da cocaína dos supergrupos, mas em 1967 os negócios da música ainda
eram feitos sobre as velhas bases. Os conjuntos pop eram, por definição, efêmeros,
e a ordem era conseguir deles o máximo enquanto ainda tinham um lugar ao sol.
Dois LPs por ano – um pelo Natal e outro no meio do ano (verão no hemisfério
norte) – eram a expectativa mínima.
Até então os Beatles tinham cumprido esse programa
facilmente: nos EUA, nos dois anos e meio entre o primeiro LP e Revolver, sua
obra foi dividida em onze álbuns, acompanhados de treze grandes turnês e dois
longas-metragens. O intervalo de dez meses entre Revolver e Sgt. Pepper, sem
precedente, deixou os fãs na expectativa de um rompimento definitivo. Uma
sugestão tentadora do que estava por vir foi o lançamento do compacto Penny
Lane/Strawberry Fields forever, em fevereiro de 1967.
Esse par de memórias de Liverpool continuava
a refletir as diferenças entre John e Paul, surgidas em Revólver. O fato é que
também elas faziam sua música evoluir: o fato de Paul tocar trompetes em Penny
Lane, por exemplo, era muito mais evocativo e menos estritamente musical que os
metais em Got to get you into my life. Com todo o seu charme considerável,
Penny Lane é uma nostalgia sem dor. Em comparação, Strawberry Fields, de John,
é perturbadora: os versos praticamente sem rimas fazem círculos uns sobre os
outros num nó de contradições que induziram os fãs a um debate sem fim sobre o
seu sentido.
O mais perturbador em Strawberry Fields,
todavia, era talvez de sentimento nos vocais de John; é como se ele, ao invés
de tentar nos enredar com algum significado oculto, estivesse
desesperançadamente confuso consigo mesmo, Strawberry Fields é mais um mistério
que uma charada.
Seu timbre vocal esquisito resultou de um dos
feito técnicos de Martin. O grupo tinha gravado a base instrumental e os
vocais, quando John, ouvindo a fita em casa, percebeu que o som não era o que
ele queria. Estava procurando um clima de sonho; a gravação não correspondia,
então pediu a Martin para tentar um arranjo de cordas. Este ficou melhor, mas
ainda não era perfeito; o que ele queria era algo da primeira versão e algo da
segunda. Martin disse que era impossível; elas tinham sido gravadas em
andamento e tons diferentes. Mexendo com as gravações, entretanto, Martin
descobriu que se reduzisse a velocidade da primeira poderia combiná-la com a
segunda, com pequeníssima diferença de tom. O resultado foi uma ligeira
distorção na voz, que aumenta o efeito da música.
Parte 40
Em conjunto, as duas canções prometiam tanto
que os fãs exigiam mais. A garota que crescera gritando pelos Beatles e os
adultos seduzidos por A hard day’s night se uniram para criar um novo tipo de
audiência. Havia um exército de fãs esperando, não dançar ou gritar, mas ouvir.
Muito loucos, de preferência.
É necessário lembrar aqui que os Beatles não
estavam na vanguarda do uso das drogas. Durante o verão de 1967, todo mundo, ao
que parecia, fumava. E todo mundo, sob a influência cerebral da maconha, ouvia
a música que explodia ao redor – The Airplane, The Dead, The Mamas and the
Papas, Big Brother, The Who, os Stones... mas ainda não os Beatles.
Finalmente, em junho – de mãos dadas com o
proclamado Verão do Amor -, Sgt. Pepper chegou. Foi uma semana maravilhosa. Um
ano depois, o critico e fã Langdom Winner (escrevendo sobre o disco)
relembrava: “Eu estava dirigindo na Interestadual 80. Em cada cidade que parava
para gasolina ou comida – Laramie, Oglala, Moline, South Bend -, as melodias
vinham de algum transistor ou vitrola portátil ao longe. Foi coisa mais
admirável que já vi. Por um instante, a consciência ocidental, mesmo fragmentada
irreparavelmente, era unificada, pelo menos na cabeça dos jovens”.
E, nesse verão mágico, todos eram jovens. Os
guetos hippies dos East Village e de Haight Ashbury regurgitavam de pacifistas,
adeptos do amor e da compreensão (e também, talvez, de um bom ácido), mas estes
eram apenas uma parte da história. No West Side de Nova York – e nas cidades
universitárias dos EUA -, o tema em pauta não era tanto a paz, mas uma guerra
que se travava do outro lado do mundo. Manifestações pela paz se multiplicaram
pelo país, numa mistura surpreendente de Jeans desbotados e ternos de algodão,
todos atrás da música que os Beatles iam criando. “Eu sou ele como você é eu e
nós estamos todos juntos”, assim começava a letra de I am the walrus.
Parte 41
A ilusão era válida, e nós a levamos ao ponto de destituir um presidente
– e, além disso, de criar uma análise de texto admirável. Alguns fãs, antigos
universitários treinados na corrente da Nova Crítica, punham-se a perseguir
animadamente uma imagem através de uma toca de coelho, saindo para a floresta
do outro lado. A floresta, entretanto, já estava repleta de gente que não
aprendera a associar imagens na escola, mas fumando maconha e tomando ácido.
Assim, todo o mundo ficou sabendo o esperto truque de “Lucy in the Sky with
Diamonds”.
Fomos instigados aos píncaros da exegese (Comentário para esclarecimento ou interpretação
minuciosa de um texto ou de uma palavra. Aplica-se especialmente em relação a
Gramática, à Bíblia, às leis)pelos próprios Beatles; Paul, que
antes tinha a imagem do “bonitinho” do grupo, revelou-se à revista Life que
consumia ácido. Apesar de a confissão de Paul – logo seguida pelas de Brian,
George e John – ser uma migalha perto da polêmica sobre John e Jesus, os
poderes competentes tiveram a previsível reação negativa. A Day in the life
teve execução proibida na BBC, e o vice-presidente americano Spiro Agnew tentou
convencer as rádios do país a censurar With a little help from my friends. A
direita troglodita reagiu ainda mais rudemente. O infatigável beatleólogo
Nicholas Schaffner cita este esplêndido exemplo: “’Nem Lennon nem McCartney
eram bons alunos na escola’, escreveu um tal Dr. Joseph Crow, ‘nem tiveram
nenhum tipo de formação musical. O fato de comporem algumas das músicas do
grupo compara-se a alguém que não soubesse física nem matemática e inventasse a
bomba atômica. Pela sua excelência técnica, é possível que essa música seja
arregimentada por cientistas comportamentais em algum banco de idéias. Não
tenho a menos idéia se os Beatles... estão sendo usados por pessoas com
recursos altament4e sofisticados, mas na verdade isso não faz nenhuma
diferença. Os resultados é que contam, e os Beatles são os flautistas mágicos a
criar promiscuidade, uma epidemia de drogas, consciência de classe para os
jovens e uma atmosfera propícia à revolução social’”. Nossa, e eu que pensei o
tempo todo que fosse George Martin.
Parte 42
Na realidade, ao mesmo tempo em que toda essa controvérsia psicodélica
se desenvolvia, os Beatles tinham dado um intervalo às drogas para procurar um
barato natural. Nesse esforço, pelo menos, George era o líder. No intervalo
entre a última turnê e a gravação de Sgt. Pepper, ele e sua mulher, a modelo
Patti Boyd, foram à Índia, onde George ia estudar com o concertista de sitar
Ravi Shankar; lá, ficaram fascinados pela riqueza da vivência religiosa
indiana. Na volta a Londres, Patti entrou para o Movimento de Regeneração
Espiritual, e sempre emprestava seus livros e panfletos a George.
George sempre foi ao mesmo tempo muito receptivo (já se sentira atraído
por estudantes alemãs “diferentes” como Astrid) e obstinado. E, assim como
sangrava os dedos para aprender a tocar violão, buscou a sabedoria espiritual
de forma monomaníaca. Assim, devorou um livro atrás do outro, comunicando
entusiasticamente tudo o que aprendia aos outros Beatles. Acabou indo procurar
um guru - na Cornualha, topou com um que o fez ficar no alto de uma montanha
várias noites -, mas não encontrou. Patti ouviu dizer que o Maharishi Maheshi
Yogi vinha a Londres para uma conferência; contou isso a George, e os quatro
decidiram ir ouvi-lo.
O Maharishi tinha sido físico e trabalhara na universidade; suas viagens
espirituais começaram já na idade adulta. Por isso, talvez, estava familiarizado
com a mentalidade ocidental o bastante para achá-la divertida. Quanto mais não
fosse, a Meditação Transcendental, Marca registrada do Maharishi, ofereceu aos
Beatles uma oportunidade de desacelerar o ritmo – uma oportunidade de que John,
em particular, precisava.
A conferência os cativou, assim como a figura sorridente e animada do
Maharishi; nos anos febris de excursões hermeticamente fechadas, sua vida se
afastara muito da realidade. Quando surgiu a oportunidade de um retiro de fim
de semana no País de Gales, os quatro se animaram. Dois dias depois foram para
lá, de trem. Em si, isso já era um acontecimento; durante anos não tinham ido à
parte alguma em transporte público. A viagem parecia o sinal de uma nova etapa
em seu desenvolvimento.
À chegada, enfrentaram a inevitável entrevista coletiva (durante a qual
tentaram deixar claro que não encaravam o retiro como uma farsa nem domo um
golpe publicitário), e se misturaram o mais anonimamente possível aos outros
trezentos alunos. Os repórteres voltaram no dia seguinte, à hora do almoço,
dessa vez trazendo notícias: Brian tinha morrido por dose excessiva de pílulas.
Ainda estavam reagindo ao choque – e às voltas com a especulação de que
Brian podia ter se suicidado -, quando o Maharishi os chamou aos seus aposentos
particulares. De acordo com sua filosofia, lembrou-lhes que choro e lamentações
não trariam Brian de volta; na verdade, disse, o luto poderia libertar
vibrações que prenderiam o espírito de Brian, ao invés de deixá-lo erguer-se
para o plano espiritual seguinte. Em vez disso deviam ficar alegres, para que
Brian encontrasse a alegria. Reconfortou-os, acabou fazendo com que rissem e
despediu-os.
Parte 44
JOHN: - “Acabamos sendo um cavalo-de-tróia. Os “Fab Four” foram direto
para o primeiro lugar e então começaram a cantar sobre drogas e sexo”.
No primeiro projeto que os Beatles levaram avante sem Brian, Paul
assumiu a liderança, Magical mystery tour parecia uma evolução natural. Assim
como dirigiam cada vez mais suas próprias gravações, podiam começar a dirigir
seus filmes. A diferença é que já faziam música profissionalmente há quase uma
década antes de Sgt. Pepper, mas tinham pouca experiência com cinema. Mesmo
assim, um mês após a morte de Brian, embarcaram na Magical mystery tour.
No informe à imprensa anunciando o filme – planejado como um especial de
sessenta minutos para TV – John os descreve como “mágicos (transformando) a
Mais Comum Viagem de Ônibus numa Excursão Mágica de Mistério”, o que significa
que um ônibus lotado de gente “comum” faria o que os agentes de viagem
britânicos anunciam como “excursões de mistério” – o equivalente aproximado às
viagens marítimas chamadas “cruzeiro para o desconhecido” -, concretizando
assim a experiência psicodélica de suas vidas.
A idéia de um filme sobre uma viagem de ônibus ocorreu a Paul em abril,
quando estava de férias nos EUA; embora a idéia de Paul, os outros se
entusiasmaram bastante com o projeto. Mas a decisão de contratar o menor número
possível de técnicos e escrever o script, escolher o elenco, dirigir e montar o
filme eles mesmos foi um sério engano. Aparentemente, receavam que sua falta de
familiaridade com o cinema pudesse levar algum “expert” a roubar-lhes o
principal do filme. Não apenas não sabiam em quem confiar, como também não
sabiam o suficiente para confiar em alguém.
Contudo, partiram corajosamente para duas semanas de filmagens em Devon
e na Cornualha. Paul, pelo menos, pareceu achar que tudo tinha ido muito bem:
“Nos primeiros dias, quando saímos com este ônibus grande cheio de gente, não
forçamos a barra, deixamos o gelo quebrar devagar, todo mundo foi sabendo o que
se passava. Depois, tudo começou a acontecer. Claro que não falávamos a língua
deles quando dávamos instruções aos câmeras e ao pessoal do som, e eles
estranharam um pouco no começo. Mas logo ficaram tão entusiasmados como todos
nós”.
Alias, os Beatles ficaram tão entusiasmados que, quando chegou a hora de
fazer a edição, sabiam tudo sobre filmagem. Paul se dedicou pessoalmente a essa
tarefa – Davies narra que os outros estavam presentes, mas “normalmente ficavam
cantarolando junto com um bêbado de rua que andava pelas salas de montagem” – e
reapareceu onze semanas depois com o produto final, bem a tempo para a
programação de Natal da BBC.
Os críticos detestaram. Na verdade, já que era a primeira oportunidade
que tinham para desancar os Beatles por alguma coisa, pareciam sentir um prazer
especial nisso - qualificando o filme de “pavoroso, ingênuo, um blefe,
nonsense, deprezível”. Na seqüência desses ataques furiosos, a NBC cancelou o
contrato de 1 milhão de dólares para passar o filme na TV americana.
Naturalmente, Paul foi o que mais se abateu, e assumiu a tarefa de
responder às críticas, dizendo: “Achamos o título já explicava tudo. Não havia roteiro
nem planos definidos. Isso era de propósito. Adoramos a fantasia, e tentamos
criá-la no filme”. A seguir, obstinadamente, anunciou os novos planos: “Vamos
fazer outro filme”. E, no estilo bem-humorado dos Beatles, perguntou: “O filme
foi tão ruim assim comparado com o resto da programação de Natal? A mensagem da
rainha não parecia uma obra de arte, com certeza”.
Podemos suspeitar que a TV inglesa deve ter mesmo mostrado coisas piores
naquele ano, Magical mystery tour – especialmente quando visto em salas
especiais por platéias prevenidas de que não é a maior coisa já surgida desde a
invenção do pão de forma em fatias (ou mesmo desde Help!) – não deixa de ter
seus momentos agradáveis. A evocação de Busby Berkeley durante Your mother
should know, por exemplo, é no mínimo maravilhosa. Mas é verdade que esses
momentos estão distantes uns dos outros; ao filme não faltava mistério, e sim
magia. Sua importância capital para a história dos Beatles é a ascensão de Paul
como líder pós Brian do grupo.
Parte 45
Pode-se julgar que Magical mystery tour tenha sido uma demonstração
suficiente de amadorismo, mas não ficaram nisso. Numa decisão cuja ingenuidade
talvez fosse maior que os desacertos do filme, decidiram que homem algum de
terno e gravata voltaria a gerir suas vidas, Brian tinha sido OK – afinal, era
Brian -, mas com certeza estranho alguma ocuparia seu lugar. Além disso, eles
eram os filhos dos anos 60, além de seus criadores, e compartilhavam o vivo
desprezo da época pelos homens de negócios. Em conjunto, começaram a planejar
eles próprios suas finanças.
E começaram a seguir essa política abrindo a Apple Boutique,
feericamente decorada, em Londres. Porém, antes de darem os passos legais para
formalizar o controle sobre seu império fiscal, fizeram uma pausa, também no
típico estilo dos anos 60, para um momento de descanso espiritual. Partiram da
Inglaterra em fevereiro, na que seria sua última viagem juntos. Seu destino
geográfico era Rishikesh, na Índia, onde continuariam os estudos com o
Maharishi.
O curso tinha uma duração prevista de no mínimo três meses, Ringo e
Maureen ficaram dez dias, até que ele declarou que tudo aquilo lhe lembrava uma
colônia de férias ou centro esportivo os em que trabalhava nos velhos tempos –
além do mais, a comida era muito condimentada. Paul, que a principio encontrou
um ambiente relaxado propício para compor, ainda ficou algumas semanas. Quando
ele e Jane partiram, contudo, disse aos repórteres que o Maharishi era “uma boa
pessoa”, mas “só que nós não vamos transar mais com ele”.
John e George permaneceram. Eles também estavam compondo muito – grande
parte desse trabalho apareceu no “Álbum Branco” -, e a meditação parecia
assegurar os benefícios espirituais, ou pelo menos emocionais, que buscavam.
Mas, com ou sem razão, acabaram convencidos de que o Maharishi tinha desígnios
bastante terrenos em relação a uma de suas aplicadas colegas de estudo, a atriz
Mia Farrow. Indiretamente, confrontaram-no com essa acusação, e, como ele não
fosse capaz de dar uma resposta satisfatória, resolveram voltar a Londres. Ali,
John proclamou que o método do Maharishi nada mais era que “água colorida”, e
compôs Sexy Sadie em sua des-honra.
George, porém, sentiu a experiência de forma diferente. Embora
desapontado com a pessoa do Maharishi, sentiu que o Ocidente continha uma
verdade central que ainda valia a pena procurar. Um problema, pensou ele, é que
a disciplina do Maharishi era fácil demais de seguir, e, em Londres, George se submeteu
aos programas, mais rigorosos, da consciência de Krishna. Sem qualquer intenso
deliberado, ele dava o primeiro passo para separar os Beatles.
Até ali, para cada um deles, nada havia de mais importante que os outros
três. Mas, quando George começou a trilhar
seu próprio caminho para a iluminação, deixou os companheiros para trás.
O “mundo real”, disse ele a Davies, “é uma ilusão. Foi criado por mentes
terrenas. Não importa o que ocorra, o plano não é afetado, mesmo com guerras ou
bombas atômicas. Nada disso importa. Só o que acontece dentro de nós mesmos
importa”.
Outra coisa importante para
George estava acontecendo dentro dele mais do que tinha imaginado. Desde que
tinham parado com as turnês, ele começava a rivalizar com John e Paul como
compositor – pelo menos em termos de quantidade. Embora o espaço maior ainda
fosse dos dois, queixou-se amargamente a um amigo de que apenas uma de suas
canções tinha entrado num compacto: The inner light, e ainda assim como o
bem-merecido lado B de Lady Madonna.
Parte 46
Enquanto na cabeça de George fermentavam ao mesmo tempo essa zanga
reprimia e a paz de Krishna, os planos de negócios dos Beatles progrediam. John
e Paul foram aos EUA em meados de 1968 para celebrar a formação de seu último
negócio: Apple Corps, Ltd.Sentado num junco chinês no rio Hudson, Paul
proclamou a Apple uma espécie de “comunismo ocidental”, a companhia através da
qual os Beatles não apenas governaram sua vida, mas também trariam alegria à
vida dos outros. O objetivo, John explicou, era ver “se conseguimos liberdade
artística numa estrutura empresarial, ver se podemos criar coisas sem vendê-las
a um preço três vezes maior que o custo”. Numa coda (é a seção com que se termina uma música. Nesta secção o compositor ou arranjador poderá ou não utilizar ideias musicais já
apresentadas ao longo da composição) Paul assinalou que os Beatles
estavam “na feliz situação de não precisar de mais dinheiro, assim, pela
primeira vez os patrões não estão no negócio pelo lucro. Se alguém vier e
disser: ‘Eu tenho um sonho assim, assim’, eu responderei: ‘Aqui está o
dinheiro. Vá e concretize o sonho’”.
O extraodinário não é tanto que houvesse centenas de sonhadores
esperançosos que acreditaram nessa promessa, mas que os próprios Beatles
parecessem acreditar nela; e, como se essas declarações à imprensa não fossem
bastante claras, pagaram anúncios nas publicações de música britânicas pedindo a
“músicos não-descobertos ainda” que mandassem suas fitas para “Apple Music, 94
Bakes St., Londres W1”.
O Comunismo Ocidental lidou com a conseqüente inundação de fitas com
pouca eficiência, deixando de ouvir a maioria delas. Os que queriam
apresentar-se pessoalmente tinham maior dificuldade. Derek Taylor, assessor de
imprensa da Apple, narrou em suas memórias casos de típicos visitantes da
Apple, entre os quais um certo Hugh Blackwell, que queria 50.000 libras “porque
ele se transformara em todas as pessoas que aparecem em Sgt. Pepper’s Lonely
Hearts Club Band, e além disso era Popeye, o Marinheiro, e mais não sei quem, e
precisava de cada centavo disponível para colocar todo esse amálgama (Amálgama é uma liga do mercúrio com outro metal, e tem
diversas funções, por exemplo, o amálgama de estanho serve para espelhar o
vidro, amálgama é também utilizado na odontologia. Amálgama é também o nome que
se dá à mistura de pessoas ou coisas heterogêneas. Em lingüística, amálgama é
também a mistura de duas palavras com o objetivo de criar uma nova.) num
filme”.
Os Hugh Blackwells da vida podiam, como as
fitas, simplesmente não ser ouvidos, mas outros – principalmente velhos amigos
e conhecidos – receberam ajuda. Alguns receberam mais do que os Beatles tinham
planejado e montaram um fluxo de caixa diretamente da organização –
especialmente na Apple Boutique – para o seu bolso.
Parte 47
Em julho, finalmente, os Beatles perderam a
paciência e fecharam a loja (pelo menos isso foi feito com estilo: as
mercadorias simplesmente foram dadas a quem entrasse na loja).
Para variar, foi Paul quem informou o que
ocorria ao pessoal da Apple. Nesse ponto, os outros Beatles vinham perdendo o
interesse, e Paul se incumbia de zelar pelo escritório e ver se havia papel
higiênico suficiente nos banheiros. Apenas sua presença, no entanto, não
bastava para estancar a hemorragia contínua nas finanças, e quando se fez o
balanço do primeiro ano da Apple (naturalmente, isso só foi feito cerca de dois
anos), os contadores tiveram de desconsiderar nada menos que três automóveis
porque não encontravam recibos da aquisição nem, aliás, os próprios carros.
Após o fracasso de Magical mystery tour, a
probabilidade de os Beatles se dirigirem novamente em outro filme (e
conseguirem a distribuição) variou entre pouca e nenhuma. No entanto, ainda
deviam um filme à United Artist, pelo contrato assinado para Help! e A hard
day’s night. Antes de morrer, Brian, por sorte, fez um arranjo pelo qual “The
Beatles” estrelariam um desenho animado. Al Brodax, um americano que produzia
desenhos com os Beatles para programa de meia hora aos sábados de manhã na NBC
TV, foi convidado a produzir Yellow Submarine. Quando viram o produto final, os
Beatles ficaram fascinados que concordaram em atuar na seqüência final do
filme.
Isso acabou sendo uma faca de dois gumes –
Brodax se lembra de Ringo tão baratinado que não conseguia fazer mais nada a
não ser andar em círculos, até que finalmente se encontrou e pôde trabalhar -,
mas quando o filme foi lançado, em meados de 1968, revelou-se uma produção
encantadora. Nenhum crítico o confundiu com grande arte, mas mesmo os mais
críticos ficaram desarmados diante de seu apelo fácil e divertido.
A reação mais interessante veio do New York
Times, onde a crítica de cinema Renata Adler muito discretamente sugeriu que os
espectadores deviam ir de cabeça feita. Ela escreveu que a qualidade particular
de Yellow Submarine (um “sentido de percepção cristalina”) era “certamente
acessível à pessoa que não estejam ligadas, e isso é raro num ambiente urbano
repleto de estímulos. Certamente não há motivo para ver Yellow Submarine, como
qualquer coisa boa, bêbado. Há bastante tempo está se percebendo que um barato
ocasional ajuda a entender melhor a música; e o cinema, cada vez mais, é uma
forma intensamente musical – isto é, as platéias de Yellow Submarine têm sido
em muito maior medida, não estupidificadas ou embrutecidas como as ‘platéias de
três martínis’, mas sim abertas, receptivas e precisas em suas respostas”.
Parte 48
Os Beatles voltavam ao estúdio; e o primeiro
produto de seu novo selo era avassalador – o compacto Hey Jude/Revolution, dois
sucessos de lado A. Jude reflete o sofrido rompimento de Paul com Jane Asher.
Além de ser uma das raras baladas em que Paul exprime diretamente emoções ao
invés de sentimentalizar sobre elas, Jude violentou os parâmetros da rígida
programação das rádios; seus 7 minutos e 11 segundos de duração permanecem até
hoje como o mais longo sucesso num compacto.
Nesse sentido, pelo menos, a experiência da
Apple parecia funcionar; ela dava aos Beatles uma oportunidade para romper as
regras da programação pop, e eles, por serem quem eram, fizeram isso com muita
classe. No entanto, as sessões de gravação de seu primeiro álbum no selo Apple
– formalmente intitulado The Beatles, mas conhecido em toda parte como “o Álbum
Branco” – não foram em absoluto tranqüilas. Durante elas, ocorreu a primeira
separação dos Beatles.
Curiosamente, foi Ringo o primeiro a sair. Uma
das razões disso pode ter sido, como sugere Hunter Davies, que o fim das
excursões tenha sido pior para ele que para os outros. Paul e John estavam
sempre envolvidos no lado técnico de suas gravações, e George – mesmo tendo de
brigar com Paul por mais espaço nos discos – estava sempre atarefado em suas
próprias composições. Ao vivo, Ringo era o quarto beatle, mas no estúdio era
uma espécie de estepe, sempre à disposição e à espera da próxima gravação em
que – como os arranjos dos Beatles se tornavam mais complicados e sofisticados
– sua bateria iria desempenhar um papel em geral menos proeminente. A
frustração, assim, era inevitável, mas amigos de Ringo dizem que era agravada
pelas ásperas críticas de Paul à técnica de Ringo – tendo chegado ao máximo
quando Paul sugeriu que ele mesmo iria tocar bateria em suas composições.
A separação durou apenas uma semana, e Ringo
voltou, com evasivas sobre “desacordos musicais” e declarando que “Paul é o
maior contrabaixista do mundo. Mas também é muito obstinado; faz tudo sempre
para que as coisas saiam do jeito dele”. Quando Ringo voltou, encontrou a
bateria enfeitada com flores: era a forma de Paul lhe dar as boas-vindas.
Também encontrou, instalada no estúdio, a cama
de Yoko Ono.
Parte 49
Yoko – uma artista conceptual ambiciosa, sempre
inteligente e às vezes brilhante – não se parecia com nada que os Beatles
tivessem conhecido antes. Jane Asher mantivera uma certa independência durante
o longo relacionamento com Paul, mas as mulheres dos Beatles eram decididamente
caseiras. As groupies – as outras mulheres de suas vidas – eram tão
descartáveis como lenços de papel. Yoko era algo totalmente diferente.
John conheceu-a numa exposição que ela fez na
Indica Gallery, em Londres, em 1966. Ficou fascinado – primeiro por seu
trabalho, depois por ela. Tornaram-se amigos, iniciando uma correspondência a
longa distância durante as estadas dela nos EUA e a dele na Índia. Mais tarde,
contrariando a prática normal entre os Beatles, ele se apaixonou primeiro por
ela.
Para John, ela era uma revelação. Ele tinha
começado a vislumbrar uma nova causa quando lera sobre o movimento feminino. Em
Yoko, que era capaz de ombrear com ele intelectualmente, encontrou o movimento
personificado. “Não sei como foi que aconteceu”, disse John, “mas percebi que
ela sabia tudo o que eu sabia – até mais, provavelmente -, e aquilo saia da
cabeça de uma mulher; isso me balançou. Era como encontrar ouro ou coisa do
gênero. Enquanto ela falava eu ia me ligando, e a discussão chegava a um nível
que me deixava cada vez mais baratinado. Quando ela ia embora, eu voltava para
aquela espécie de subúrbio mental. Até a gente se encontrar de novo, e aí minha
cabeça se abria novamente como numa viagem de ácido”. Parece até certo ponto
engraçado que, considerando o aventureirismo sexual dos Beatles, ela chocasse
profundamente a sensibilidade dos rapazes.
Ela e John tornaram-se amantes, após dois anos
de relacionamento platônico, na casa de John. O casamento dele com Cynthia
estava cada vez mais desgastado. Ela estava de novo na Espanha, e, como ele
declarou à Rolling Stone, “achei que era hora de ver se eu podia conhecer
(Yoko) um pouco mais; assim, subimos para o meu escritório e toquei para ela
umas gravações que eu tinha feito, coisas baratinantes, outras engraçadas, e um
pouco de música eletrônica. Ela gostou daquilo e então disse: ‘Vamos fazer uma
coisa dessa juntos’. Assim nasceu Two virgins. Começamos à meia-noite, estava
amanhecendo quando acabamos, e então fizemos amor. Foi muito bonito”.
Acharam tão bonito que não puderam esperar para
contar ao mundo; o que fizeram lançando Two virgins em novembro de 1968 – o
mesmo mês do Álbum Branco. Two virgins se fez notar não só por sua música (dois
lados com ruídos que parecem pássaros gorjeando, gritos, piano, falação,
guitarra e espirros), mas principalmente pela capa. Nela, abraçados e nus, de
frente para nós, encontravam-se dois amantes. E, sem nenhuma ambigüidade, ali
se via um pênis beatle.
A EMI se recusou a fazer a distribuição do
disco. Outras companhias concordaram em tentar, mas dento de um envelope
marrom. O que também não adiantou; milhares de cópias foram apreendidas por
obscenidade. Aquilo não era mais “uma loucura daqueles cabeludos divertidos”, e
muitos dos fãs mais jovens dos Beatles – junto com seus pais – ecoaram o
sentimento expresso numa canção oportunista lançada então: John, you went too
far this time (“John, desta vez você foi longe demais”). O comentário de Paul
foi bem mais profundo e menos comercialmente inspirado: “John está apaixonado
por Yoko, e não está mais apaixonado por nós três”.
Parte 50
Mesmo assim, todos os Beatles – menos John, aparentemente – acharam Two
virgins mais tolerável que a idéia de ver Yoko como o quinto beatle. Embora
fosse arrogantemente segura de sua genialidade, ela era, em relação ao
conjunto, um retalho de pano para aplicar onde não havia o que remendar. Os
outros desejavam vê-la à distância; não agüentavam vê-la acompanhar John ao
banheiro dos homens para não interromper uma conversa, por exemplo. E, quando
ele tentou impor as sugestões musicais dela ao trabalho do grupo, passaram a
considerá-la uma ameaça.
Tendo levado o fora de Jane e John, Paul não ficou sozinho muito tempo.
Após um curto caso com Francie Schawartz (ela saiu da cama dele para a máquina
de escrever depressa demais), se ligou em Linda Eastman. Ela vinha do mesmo
lugar que Yoko – Scarsdale, onde os livros do colégio registram que era “muito
namoradeira” -, mas suas carreiras não podiam ser mais divergentes. Yoko era
uma artista, não importando se boa ou má; Linda, embora gostasse de fotografar,
era mais conhecida como groupie (é uma pessoa
que busca intimidade emocional e sexual com um músico, celebridades e/ou
pessoas públicas em geral.).
Mas era dela, ao que tudo indica, que Paul
precisava exatamente – ou pelo menos o que desejava. Ela era um exemplo extremo
da mulher dependente dos homens, e Hunter Davies, com agudeza, especulou que
esse fosse talvez seu maior atrativo: “Sempre julguei que uma fã ardorosa seria
a última coisa que ele desejaria, tendo sido perseguido por elas tanto tempo. O
que não percebi é que, em sua vida fechada com John, cheio de cinismo e brutal
honestidade, e com Jane Asher, tão firme como Paul em suas opiniões, poderia
ter se sentido reprimido e constrangido. Linda veio na hora certa – quando John
se retirava – e encorajou Paul a não se sentir inferior, a ser homem de verdade
– ele podia fazer tudo o que tentasse”.
Assim, John e Paul, cada qual a seu modo,
ofereceram em sua relativa maturidade um testemunho da crença que norteara todo
o seu primitivo trabalho como compositores e intérpretes: o primado do amor
romântico. Viver esse mito era muito difícil, contudo, pois o romance se
chocava com outro mito muito absorvente: The Beatles. Nesse contexto, a
observação de Paul sobre o amor de John por Yoko é uma análise dolorosamente
correta do problema com que os Beatles se defrontaram: o conflito entre a
existência de casais e as exigências de uma atividade cooperativa de grupo. A
dor na separação dos Beatles é uma prova de quão profundamente acreditavam nos
dois lados da equação.
Parte 51
O Álbum Branco foi lançado, com a cota habitual
de duas composições de Harrison por disco, e foi imediatamente para o primeiro
lugar. Mas, como diria John mais tarde, “ali não há nada de música dos Beatles.
É sempre John e a Banda, Paul e a Banda, George e a Banda...”
Pouco
depois de o Álbum Branco chegar à primeira colocação entre os mais vendidos,
John disse a um repórter que “a Apple está perdendo dinheiro. Se continuar
assim vamos a falecia em seis meses”. Isso era exagero, claro, mas provocou um
telefonema intercontinental a John de Allen Klein, Klein, um hábil contador de
Nova York que fez carreira provando que muito dinheiro em mãos das gravadoras
devia ser pago aos clientes dele, tais como os Rolling Stones, disse que
gostaria muito de ajudar a pôr a Apple em ordem.
Ele não era o único a ter essa idéia, nem o
primeiro. O futuro sogro de Paul, Lee Eastman, era um advogado importante em
questões internacionais de direitos autorais. Junto com seu filho John, tinha
feito da Eastman um dos escritórios jurídicos mais bem-sucedidos de Nova York.
Após um jantar em casa dos Eastman, Paul mencionou suas frustrações com a
Apple. Eastman disse que teria muito prazer em ajudar e imediatamente mandou
seu filho para Londres.
John Eastman não demonstrou muito conhecimento
sobre música pop, mas verificou que a morte de Brian Epstein deixará os Beatles
numa situação fiscal problemática. A firma de agenciamento de Brian, a Nems,
continuava a existir, dirigida por Clive, irmão de Brian, que desejava mais que
tudo voltar ao negócio de móveis. Ela ainda continuava a levar 25 por cento dos
ganhos dos Beatles. O mais grave é que a firma ia ser severamente atingida
pelos impostos sobre espólio de Brian. A solução de Eastman era elegantemente
simples: os Beatles deveriam arranjar um empréstimo (na forma de um
adiantamento sobre direitos a receber da EMI), usando-o para comprar a Nems.
Por 1 milhão de libras, não apenas podiam recuperar os 25 por cento, como
também reclassificar sua carga de impostos numa categoria mais facilmente
controlável de ganhos de capital. Ele explicou a situação aos Beatles, que
concordaram em seguir seu conselho; além disso, todos eles concordaram em
nomeá-lo conselheiro da Apple. Clive Epstein já tinha aceito a proposta de
Eastman quando Klein chegou a Londres.
Klein se encontrou primeiro com John e Yoko.
Durante uma longa conversa no Dorchester Hotel, ele quase não falou em
dinheiro; em vez disso, falou sobre os Beatles – sua música e sua posição no
mundo pop. John saiu convencido de que Allen Klein era a solução para todos os
seus problemas. Quando Linda Eastman as novidades, seu primeiro comentário foi:
Que merda!”
Embora seus pareceres financeiros com
freqüência pudessem coincidir, Klein e os Eastman representavam estilos
radicalmente diferentes. Lee Eastman tinha anglicizado seu nome (seu sobrenome
original era judeu, “Epstein”) ao se formar em direito em Harvard; já Klein
permanecia ativo membro comunidade judaica. Eastman veraneava no campo, nos
Hamptons; Klein gostava de Miami e Las Vegas. John, George e Ringo gostavam de
Klein? Paul amava Linda.
Parte 52
Paul saíra cedo da primeira reunião com Klein,
mas na segunda – à qual John Eastman também compareceu – levou a sério as
questões que Klein colocava sobre a compra da Nems. Já que o “empréstimo” de 1
milhão de libras da EMI era na verdade um adiantamento sobre rendimentos, era
taxável, o que significava que não teriam o milhão líquido para a compra. Mas,
acrescentou Klein, podiam obtê-lo. Tudo dependia do montante total dos direitos
a receber e quais os impostos possíveis. Ele achava que o negócio devia ser
adiado até ter tempo de levantar o quadro completo da situação. Os Beatles e
Eastman concordaram com ele, e na mesma tarde Klein obteve de Clive Epstein a
garantia de que a venda da Nems suportaria um adiantamento de três semanas.
Duas semanas mais tarde, contudo, Epstein vendeu a Nems para um truste de
investimentos – devido, disse ele, a uma carta que recebeu do conselheiro John
Eastman. Mais tarde, Clive descreveu Eastman como “jovem demais para negócios
daquele Nível”.
Mesmo com uma corporação de tubarões às
dentadas sobre suas fortunas, os Beatles lutavam para fazer música. Eles
estavam nos Twickenham Film Studios para gravar um álbum de “volta às raízes”,
o velho e básico rock ‘n’ roll que os inspirara uma década antes. À tensão
normal das gravações – e à pressão anormal das finanças – acrescia uma terceira
agravante: a presença constante e zumbidora de câmeras a filmar um documentário
com os fabulosos Beatles fazendo um disco.
Parte 53
Aquilo não era tão fabuloso. Cerca de uma
semana após o início das filmagens, George tornou-se o segundo beatle a deixar
o grupo. Ele tinha voltado de uma curta turnê com Eric Clapton pelos EUA, cheio
de autoconfiança e carregado de novas composições. Rapidamente descobriu que
Paul não ficara impressionado: “O trabalho conjunto (nos EUA) constratava
demais com a atitude de superioridade musical que Paul tinha há anos em relação
a mim”, disse ele mais tarde. “Em circunstâncias normais, eu não ligaria, mesmo
que isso quisesse dizer que minhas músicas não iam ser gravadas. Eu estava com
o moral alto, mas logo vi que ele era o velho Paul de sempre. Diante das
câmeras, justo quando estavam filmando, Paul começava a me criticar pelo jeito
como eu tocava.”
Paul realmente fazia isso, mas não
necessariamente sentindo-se superior. No máximo, era por desespero. Na falta de
Brian, e com John totalmente monopolizado por Yoko, Paul tinha de encarar o fim
dos Beatles ou lutar para mantê-los juntos. Ele carregava esse peso com
bastante dignidade, como se vê por este trecho de diálogo gravado no estúdio:
Paul: “O que eu quero dizer é que temos sido
muitos negativos desde que perdemos Epstein. É por isso que nós todos, um por
vez, ficamos cheios do conjunto, sabe? Isso é um pouco de fraqueza. É como se
você estivesse crescendo, aí seu pai vai embora num ponto da sua vida e você
tem de se virar sozinho. Papai foi embora. Acho então que devemos voltar pra
casa, ou fazer as coisas direito.
“Nós precisamos é de disciplina. Epstein disse:
‘A ordem é vestir terno e gravata’, e nós fizemos isso. Estávamos sempre um
pouco contra aquela disciplina. Mas agora é bobagem lutarmos contra a
disciplina que nós mesmos temos de nos impor. É por isso que estamos sempre
fazendo o mínimo possível. Mas eu acho que precisamos de um pouco mais de
disciplina se quisermos continuar.”
George: “Bom, se é desse jeito que se faz alguma coisa, eu não quero
fazer nada”.
E, ao que parece, ninguém queria. Ringo e Paul praticamente estavam sós
como portadores da chama dos Beatles. E, como a banda estava tentando dar uma
sensação de trabalho “ao vivo” no filme, as tensões ficavam cada vez piores; um
de cada vez errava uma nota ou perdia o ritmo, e os quatro tinham de recomeçar
a música. Para recomeçar de novo em seguida.
Finalmente, pela primeira vez em sua carreira, desistiram e foram para
casa, deixando o filme, o livro, as músicas – e, talvez, os Beatles para trás.
Parte 54
A 12 de março de 1969, Paul e Linda se casaram. (George e Patti foram
detidos por posse de drogas no mesmo dia, pelo mesmo oficial que detivera John
e Yoko no outono anterior). Escaparam da multidão às portas do cartório de
Marylebone e desapareceram do público. Oito dias depois, em Gibraltar, John e
Yoko se casaram, numa cerimônia ainda mais discreta. Mas não desapareceram do
público.
Ao contrário, foram para o Amsterdam Hilton, e fizeram um comunicado à
imprensa convidando os repórteres para um “happening” que teria lugar em sua
cama. Imaginando o óbvio e suspeitando o pior, a polícia de Amsterdam emitiu um
comunicado prevenindo que “se o público for convidado para tal ‘happening’, a
policia seguramente vai agir”.
Tudo o que John e Yoko fizeram foi anunciar que planejavam deixar
crescer o cabelo e ficar na cama por uma semana pela paz, como “um protesto
contra o sofrimento e a violência do mundo”. Durante a lua-de-mel, também
apresentaram o “bagism” (“saquismo”), durante uma entrevista coletiva que deram
dentro de um saco na Áustria, plantaram glandes (fruto do carvalho) “pela paz”
em frente a uma catedral inglesa, e se apresentaram na cama (era o “bed-in”)
outra vez no Canadá.
No meio de tudo isso, John ainda achou tempo para compor The ballad of
John and Yoko, que logo desejou lançar como compacto dos Beatles. A dar crédito
à versão de que foi o amor de John por Yoko que acabou com os Beatles, a ironia
desse desejo não era pouca. A princípio, ele pareceu de impossível realização;
Ringo estava trabalhando nas filmagens de The Magic Christman, e George, talvez
estrategicamente, não poderia ser encontrado. Porém, Paul sabia o que
significava o amor, ele amava Linda, afinal de contas, e John. Assim, foi ele
quem gravou a bateria, além do baixo, enquanto John fazia as duas guitarras.
John retribuiu esse gesto com Give peace a Chance, que gravou com a Plastic Ono
Band, cuja autoria foi creditada “Lennon/McCartney)”.
Parte 55
Todas essas luas-de-mel terminaram abruptamente, quando Dick James, há
tanto tempo o dinâmico editor das canções da dupla, anunciou que estava
vendendo a Northern Songs, que detinha os direitos sobre as composições de
Lennon/McCartney, para um truste do mundo das diversões dirigido por Sir Lew
Grade. Durante o bed-in no Canadá, John ouviu uma pergunta sobre essa venda e
logo pôs de lado o assunto da paz para revelar sua posição. “Eu não vendo. É
meu trabalho, são as minhas músicas, e quero conservar uma parte do produto
final. Nem vou telefonar a Paul; sei muito bem que ele pensa do mesmo jeito”.
John estava certo. Nessa batalha, pelo menos, ele e Paul estavam juntos.
Prepararam-se para uma longa luta que, por pouco tempo, colocou até Klein e
Eastman do mesmo lado. Klein estava ocupado também com outros negócios dos
Beatles. Renegociou o contrato do grupo com a EMI – conseguindo o maior
percentual de direitos autorais da história da indústria fonográfica – e mais
tarde obteve um arranjo terminado com o controle da Nems sobre os rendimentos
dos Beatles. Apesar de sua aliança com os Estman e sua desconfiança verbal em
Klein, Paul assinou ambos os acordos. De fato, embora a batalha da Northern
Songs se arrastasse interminavelmente – e apesar de os Beatles mais tarde
perderem a causa -, estavam bastante unidos em meados de 1969.
Tirando partido do momento, Paul reuniu-os no estúdio novamente. Dessa
vez, tudo fluiu tão tranquilamente que Abbey Road foi gravado mais rapidamente
que qualquer outro álbum desde Help! E o conjunto inteiro tocava na maioria das
faixas, além de os vocais serem feitos pelas vozes de todos, ao invés de um só
gravando em diversos canais. Embora ele contenha a cota habitual de canções de
Harrison, uma delas – Something – foi lançada como lado A de um compacto e se
tornou um imenso sucesso. Tudo, pela primeira vez desde a morte de Brian,
parecia ir bem. Foi então que John anunciou: “Quero o divórcio”. Ele estava,
como disse enjoado.
Parte Final.
Nunca houve uma resposta adequada a essa declaração, e, com a aturdida
aceitação de Paul, os Beatles morreram. Contudo, todos concordaram em guardar
segredo dobre o “divórcio”, talvez na esperança de que o rasgão pudesse ser
remendado de alguma forma.
Mas os fãs pareciam menos preocupados com o fim dos Beatles que com a
morte de Paul. O rumor parece ter começado em Detroit, onde uma estação de
rádio deu força à história, e onde o Michigan Daily fez um “obituário” sobre
Abbey Road. Sobravam pistas: na capa de Abbey Road Paul está descalço e fora do
passo em relação aos outros, seu cigarro está na mão errada, e a chapa do
Volkswagen estacionado é 28IF (“28SE”) – a idade de Paul se ele estivesse vivo.
Isso foi apenas o começo; outros ensandecidos pesquisadores da verdade
encontraram a prova de um sangrento acidente de trânsito em 09 de novembro de
1966, o qual, é claro, explicava por que o conjunto tinha parado de viajar para
enfurnar-se no estúdio de gravação, onde a ausência de Paul podia ser
disfarçada com trucagem eletrônica. Tão grande foi a busca de provas que Sgt.
Pepper (e até Magical mystery tour) reapareceu nas listas de mais vendidos, e a
Capitol Records divulgou que os Beatles estavam tendo a maior vendagem mensal
de sua história. Será preciso dizer que a Capitol nada fez para dissipar os
rumores?
Entretanto, Paul estava muito vivo (e com apenas 27 anos). Tinha
construído um estúdio de gravação na casa na Escócia, onde estava ocupado, com
Linda, em gravar um álbum; ele tocava todos os instrumentos, ela fazia algumas
segundas vozes. Pouco depois de o disco ser lançado (quase ao mesmo tempo que Let
it be, o abandonado projeto de volta às raízes, que originalmente se chamara Get back), Paul
confirmou sua existência ao anunciar publicamente que estava deixando os
Beatles.
Ao trair o segredo combinado, Paul estava obviamente obtendo vantagens
promocionais, mas seria muito cinismo explicar apenas dessa forma a sua
atitude. Ele tinha lutado ao máximo para manter a união, e tinha um certo
direito de assumir a dolorosa decisão de rompê-la finalmente.
Não há dúvida de que isso lhe doeu. Mesmo em casos fadados ao desenlace,
ocorre quase sempre uma desesperada ambivalência (é um estado de ter simultânea, sentimentos conflitantes para uma pessoa ou coisa. De outro
modo, ambivalência é a experiência de ter pensamentos e emoçõessimultaneamente positivas e
negativas para alguém ou alguma coisa. Um exemplo comum de ambivalência é o
sentimento de amor e ódio para uma mesma pessoa.) no rompimento. Uma
pessoa para fugir a uma relação e ficar de nunca voltar a ela é levada, no
final, a uma crueldade que prova que o amor ainda existe. O amor não leva a separações
tranqüilas, mas a fraturas violentas.
E Paul certamente lascou um osso numa das respostas que deu a si mesmo
na “entrevista” que publicou com seu LP solo. Em qualquer outro contexto, ela
poderia ser simplesmente mesquinha; mas, ao relembrar a música dos quatro, soa
trágica.
PERGUNTA : “Você sentiu falta dos outros Beatles e de George Martin? Não
houve um momento, por exemplo, em que você pensou: ‘Gostaria de ter Ringo aqui,
nesta passagem’?”
RESPOSTA: “Não.”
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