A HISTÓRIA DE A HARD DAY’S NIGHT, O PRIMEIRO
FILME DOS BEATLES
12 de fevereiro de 2013 • por Beatlepedia •
em Beatles. •
A proposta para um longa-metragem chegara
aos Beatles e a Brian Epstein em outubro de 1963 – antes mesmo de tocarem pela
primeira vez nos EUA e arrebatarem multidões -, vinda de um grande estúdio
americano, o United Artists, com o objetivo de produzir um musical de baixo
orçamento que daria à divisão fonográfica da companhia uma possibilidade de
comercializar o álbum da trilha sonora dos Beatles nos Estados Unidos. A partir
de 1961, a UA começou a se interessar pelo entretenimento britânico, e isso
ajudou no fato de um estúdio cinematográfico mostrar confiança nas
possibilidades comerciais dos Beatles nos EUA, enquanto a Capitol Records
parecia não se importar. Quando os Beatles se tornaram uma sensação na
Grã-Bretanha no outono de 1963, George Ornstein – comandante do escritório da
United Artists em Londres – não perdeu tempo em autorizar o produtor
independente Walter Shenson a abordar Brian Epstein com a proposta de que os
Beatles estrelassem um filme em preto e branco, produzido com o pequeno
orçamento de meio milhão de dólares. Shenson tinha a reputação de homem que
sabia vender filmes britânicos para o público americano e, quando ele soube da
idéia de um filme dos Beatles, logo pensou em Richard Lester, que já havia
dirigido um filme de Shenson.
Richard Lester
Nascido e criado na Filadélfia, Richard
Lester trabalhara numa emissora de televisão local antes de se mudar para
Londres em 1955. Em um ano entrou para os Goons, com quem fez duas séries de
televisão que não duraram muito (Idiot’s Weekly e A Show Called Fred) e um
filme caseiro surrealista, ambientado num campo vazio, chamado The Running
Jumping And Standing Still Film, que ganharia seguidores cult nos EUA e uma
indicação ao Oscar de Melhor Curta-Metragem em 1959. Em 1962, dirigiu seu
primeiro longa, It’s Trad, Dad!, um musical de baixo orçamento estrelado por
Helen Shapiro e nomes do jazz tradicional. Mais tarde, no mesmo ano, por
recomendação de Peter Sellers, Lester foi contratado para dirigir The Mouse on
the Moon. Ao demonstrar seu talento para a apresentação tanto de música pop
quanto de comédia, os dois filmes convenceram Shenson de que Lester era o homem
ideal para dirigir os Beatles, agora, como atores.
O nome de Alun Owen como possível roteirista
para o filme foi mencionado por Brian Epstein e eufóricamente insistido pelos
Beatles na primeira reunião com Walter Shenson, em outubro de 1963. Owen era um
dramaturgo mais conhecido por uma série de dramas para televisão ambientados no
Merseyside e repletos de cor local. O sentimento de Owen pela vida em Liverpool
era mais complexo e menos sentimental. O apoio dos Beatles a Owen como
roteirista dizia algo sobre o estado de espírito da própria banda numa época em
que eles também deixavam a cidade para trás. O envolvimento do dramaturgo
garantia que o filme, independente do enredo, os apresentaria como quatro
filhos de Liverpool.
Embora os Beatles não tivessem tempo para
exercer muita influência direta sobre o conteúdo do filme, eles fizeram questão
de deixar claro para Walter Shenson que não tinham interesse em se fazer de
bobos. Não se diziam atores, mas queriam que o filme evitasse seguir o rumo dos
musicais em geral, em particular os filmes de Elvis. Foi a partir disso que,
Shenson, Owen e Lester, vieram com a ideia de que os Beatles interpretassem a
si mesmos em um falso documentário sobre a vida no centro do fenômeno pop. Alun
Owen foi enviado para observar o fenômeno em primeira mão durante um final de
semana de shows em Dublin e voltou tão impressionado com a forma furtiva que
eles usavam para ir dos quartos para os carros que introduziu a noção mais
séria dos Beatles como “prisioneiros do sucesso”. Durante o inverno de 1964,
enquanto o grupo se apresentava na França e nos EUA, Shenson e Lester reuniram
o elenco e a equipe técnica. Wilfred Brambell, o astro rabugento da popular
série de tevê da BBC Steptoe & Son, foi contratado para interpretar o avô
fictício de Paul McCartney. Normann Rossington foi escalado comoRoadie, Victor
Spinetti como um diretor de televisão neurótico e Kenneth Haigh como produtor
de um programa de televisão teen ao modo de Ready, Steady, Go!. Gilbert Taylor,
que havia acabado de filmar Dr. Strangelove, de Stanley Kubrick, ficou encarregado
da fotografia. Enquanto isso, no escritório da UA em Londres, todos já estavam
confiantes do sucesso dos Beatles nos EUA e que isso renderia fortunas do filme
e das vendas do LP da trilha sonora. As filmagens começaram no início de março
e continuaram pelas próximas seis semanas entre a relativa calmaria dos
Twickenham Studios e o caos de várias locações em Londres. O trabalho externo
era sempre o mais complicado por, onde quer que as câmeras estivessem em
determinado dia, estar sempre rodeado por garotas histéricas que dificultavam
os trabalhos. Mas Richard Lester parecia gostar de estar no meio do caos. “Era
como estar no centro do universo”, ele dizia. “A estrutura do roteiro tinha de
ser uma série de tiradas de uma frase. Isso me permitia, em algumas cenas,
virar a câmera para eles, dizer uma frase, e, então, eles a repetiam. Se não
ficasse ótimo, eu a dizia de outra maneira e eles a repetiam de outra maneira”.
Os Beatles conversam durantes as filmagens
de A Hard Day’s Night
As seis semanas que os Beatles passaram
trabalhando no filme marcaram a maior estadia sem interrupção nenhuma em
Londres desde que haviam começando a vir à cidade de maneira regular, há dois
anos. Com tudo o que estava acontecendo, os quatro já haviam trocado os quartos
de hotel que ocupavam nas constantes idas e vindas por acomodações mais
permanentes. John, Cynthia e seu filho Julian Lennon viviam em um apartamento
de terceiro andar em Kensington. Paul McCartney tinha praticamente se mudado
para a casa de Jane Asher, que vivia com a família no West End. George Harrison
e Ringo Starr dividiam um apartamento em Knightsbridge, no mesmo prédio moderno
em que morava Brian Epstein, que também estava tratando de transferir a NEMS
Enterprises de Liverpool para um conjunto de escritórios no West End vizinho ao
Palladium Theater. Durante esse tempo, o primeiro livro de John Lennon, In His
Own Write, foi lançado. No set de filmagens do filme, que tinha o título
provisório de Beatlemania, não era difícil encontrar John e Dick Lester conversando
sobre o livro e seus jogos de palavras esquisitos. Foi em uma dessas conversas
que o título do filme apareceu. John explicava a Lester que muitos dos seus
jogos de palavras e sintaxe torta derivavam da maneira como as pessoas comuns
falavam em Liverpool. Ringo, por exemplo, sempre aparecia com expressões
esquisitas, que logo começaram a ser chamadas de “ringoísmos”. John então
destacou um que usara no livro, num contro sobre “Sad Michael”, que acordou
certa manhã depois de uma “noite de um dia duro” (“a hard day’s night“).
Ringo durante as filmagens
Para a United Artists, a contribuição mais
importante dos Beatles para o filme seriam as seis músicas originais que
determinariam a estrutura musical e dariam ao selo fonográfico da companhia o
álbum da trilha sonora, o que primeiro incentivou o projeto. Como os Beatles
não teriam tempo de gravar quando as filmagens começassem em março, todas as
seis, além de “Can’t Buy Me Love” (que foi incluída na trilha) e “You Can’t Do
That”, tiveram de ser concluídas na semana seguinte ao retorno dos EUA, em
fevereiro de 1964. Os estúdios das EMI, em Abbey Road, haviam recém instalado
equipamentos de gravação de quatro canais, o que ajudou na produtividade das
sessões. Isso revolucionaria a abordagem de produção dos Beatles, porém, nesse
estágio inicial, sua função era reduzir a margem de erro, ao permitir mais
flexibilidade na gravação e mixagem das faixas vocais e instrumentais. Seguindo
o espírito leve e alegre do filme, a maioria das músicas que Lennon e McCartney
escreveram para a trilha sonora eram animadas, independente do tema. Em abril,
pouco depois que Richard Lester e Walter Shenson adotaram a expressão de Ringo
como título do filme (Os Reis do Iê-Iê-Iê, no Brasil), Shenson pediu a Lennon e
McCartney que compusessem uma faixa-título, para ser tocada durante os créditos
iniciais e finais. Para o espanto de Shenson, em alguns poucos dias os Beatles
escreveram e gravaram uma abertura de intensidade arrepiante.
A Hard Day’s Night estreou em Londres no dia
6 de julho – depois de um mês de férias tirados pelos Beatles -, alguns dias
depois em Liverpool e dali a três semanas nos Estados Unidos. A estreia
londrina contou com a presença da princesa Margaret e o Piccadilly Circus
enfeitado com cabeças gigantes dos Beatles na fachada.
Estreia de A Hard Day’s Night em Londres
A estreia em Liverpool, no dia 10 de julho,
foi uma recepção de proporções gigantescas, com mais de cem mil pessoas no
aeroporto de Speke e lotando as ruas ao redor da prefeitura, onde os Beatles
foram recebidos pelo prefeito e pela banda da polícia, que tocou “Can’t Buy Me
Love”.
Os Beatles são recebidos por mais de cem mil
fãs no aeroporto de Speke, em Liverpool
Nos EUA, não houveram tais formalidades. A
Hard Day’s Night chegou a setecentos cinemas por todo o país, se tornou o filme
mais rentável daquele verão e estabeleceu um recorde de “retorno de
investimento” na indústria cinematográfica que se manteria por anos. O único
incidente foi causado pelo desejo dos fãs de se manterem colados aos assentos
no final, no intuito de assistir ao filme repetidas vezes.
O que se via na tela era um relato
discretamente fictício de dois dias na vida dos Beatles, que nunca são chamados
assim, apenas John, Paul, George e Ringo, na suposição bastante razoável de que
todo mundo no filme (com algumas excessões planejadas) e que assistia ao filme
sabia com precisão quem “eles” eram. Como se esperava, a principal contribuição
de Owen para o filme foi dotá-lo de um clima de Liverpool. As falas escritas
por ele para os Beatles se adequaram à cadência cantada do sotaque e enfeitaram
os diálogos com um glossário de gírias scouse. O estilo de direção de Richard
Lester contribuiu para que A Hard Day’s Night fosse uma mistura intensa do
humor dos Goons – nos modos irreverentes de rir de si mesmo, nos toques de
surrealismo e nas gags de corrida incessantes -, e com a marca daNouvelle Vague
– no visual, clima e ritmo ágil do filme -.
Os Beatles se preparam para gravar outra
cena
Quase sem excessões, as resenhas de A Hard
Day’s Night nas imprensas britânicas e americana foram de um entusiasmo
abundante. Esse deveria ser o ponto duvidoso na carreira dos Beatles, onde
qualquer talento de verdade que possuíssem se tornaria exagerado. O fato de os
resultados terem se mostrado o contrário serviu como uma demonstração dramática
do poder das expectativas diminuídas. As resenhas seguiam um padrão previsível,
começando com uma expressão de assombro (“Isso vai surpreendê-los – pode até
fazer vocês caírem da cadeira”, escreveu Bosley Crowther no New York Times),
seguida por parágrafos de elogios à inteligência e à esperteza do roterio de
Alun Owen e à sofisticação da direção de Dick Lester. Numa frase que capturou
as pretensões de Lester com precisão, Andrew Sarris, do Village Voice – depois
de confessar: “ajudem-me, resisti aos Beatles o máximo que pude” -, chamou o
filme de “o Cidadão Kane dos musicais de jukebox“. Arthur Schlesinger Jr.,
fazendo freelance como crítico de cinema para a revista Show, descreveu o filme
como uma “conspiração da delinquência contra a soberba” e o considerou “extasiante
pela audácia e modernidade”. Os críticos se esbaldavam ao buscar alusões
cinematográficas que Lester jogara como iscas. Além de tudo, Ringo foi
comparado por muitos jornais a Chaplin.
As resenhas de A Hard Day’s Night também
renderam os primeiros elogios escritos aos Beatles feitos por pessoas com
experiência em crítica de artes populares. NoThe Observer, Penelope Gilliatt
sugeriu que eles se tratavam com “o estoicismo de palhaços e o tipo de
grosseria despreocupada que, em geral, só se faz possível entre irmãos”. Talvez
a resenha mais criteriosa tenha vindo de Elizabeth Sutherland para o The New
Republic. Sutherland não considerou os Beatles nem loucamente engraçados nem
ultrajantes em particular, e admitiu não ter dado muita bola para a música. Em
vez disso, ela deu crédito a eles pela integridade, complexidade e um nível
“surpreendente” de charme: “Aqui estão quatro jovens de sucesso que sugerem uma
nostalgia para a própria juventude; que são profissionais patentes e fizeram o
mais antiprofissional dos filmes. Seus olhares podem ser duros e algo mod, e
depois acessíveis, e ambas as imagens são autênticas”. Ao comentar sobre os
fãs, Sutherland escreveu: “Não há uma única garota pré-adolescente na plateia
da apresentação final que choramingue em silêncio, e isso parece vir mais de
uma apreciação das tentativas ocultas da banda de agradar, de um senso de
gentileza compartilhada, do que da satisfação de algum tipo de pseudo-orgasmo”.
“Os Beatles representam um estilo baseado em não pressionar. Numa época em que
nossa comédia se tornou histérica e nosso surrealismo surreal demais, eles não
se esforçam muito para serem engraçados, raivosos ou poéticos”, completou
Sutherland.
Para os adolescentes que formavam o
principal público do filme, A Hard Day’s Nightapenas concentrava todos os
aspectos pertinentes do apelo do grupo – a música, o visual, o estilo e o humor
– num formato que poderia ser revisitado repetidas vezes. Foi nele que John e
Paul perceberam que suas personalidades individuais precisavam uma da outra, a
azeda precisa da doce, e vice-versa; foi nele que George conheceu Pattie Boyd,
que se tornaria importante em sua vida, sendo inspiração para dezenas de
canções inesquecíveis; e foi nele que Ringo mostrou que não era apenas o homem
da bateria que marcava o tempo das canções, atirando desenfreadamente seus
“ringoísmos” durante todos os anos seguintes. Isso fez deA Hard Day’s Night,
com efeito e para sempre, um filme de treinamento para todos os beatlemaníacos.
FONTES:
Beatlepedia
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