segunda-feira, 26 de agosto de 2013

BEATLES - HAMBURGO

BEATLES – HAMBURGO.

A primeira impressão dos Beatles de Hamburgo

O dia 15 de agosto de 1960 ainda amanhecia quando um grupo de nove pessoas se espremia em uma surrada perua Austin verde e branca diante do Jacaranda rumo à desconhecida Alemanha. Além de John, Paul, George, Stu e do novo baterista Pete Best, Allan Williams – o dono do Jacaranda que contatou os Beatles para o emprego – levou sua mulher chinesa Beryl, o cunhado Barry Chang e o sócio antilhano Lord Woodbine. Em Londres eles pegaram mais um passageiro, Georg Steiner, um garçom alemão que também fora contratado para trabalhar em Hamburgo. A viagem de dois dias foi cercada de problemas, quase sempre resolvidos pela conversa fiada de John, e incluiu uma parada extra em Arnhem, na Holanda, onde em 1944 houve um desastroso desembarque de pára-quedistas conhecido como “Operação Market Garden”. Lá, Barry Chang tirou uma famosa fotografia dos viajantes junto ao monumento comemorativo em forma de caixão, com a frase “os nomes deles vivem para sempre”. John, porém, recusou-se a deixar a perua.
monumento
Foto tirada em Arnhem, na Holanda
Anoitecia em 16 de agosto quando a perua encontrou seu caminho em Hamburgo e chegou a St. Pauli. Durante o caminho, eles foram conhecendo seus novos locais de trabalho. Comparado a escuridão noturna de Liverpool, a Rua Reeperbahn era um espetáculo de luzes coloridas quase hipnotizantes. Grandes anúncios contínuos de néon piscavam e cintilavam em ouro, prata e todas as cores sugestivas do arco-íris, com as voluptuosas letras germânicas: Mehrer, Bar Monika, Mambo Schankey, Gretel and Alphons, Roxy Bar. Embora ainda fosse cedo, a rua inteira estava repleta de homens, principalmente.
rua
Rua Reeperbahn, em 1960
Na noite seguinte, dia 17, eles já estavam tocando no Kaiserkeller, de Bruno Koschmider, o novo empregador. Koschmider parecia ter saído das caricaturas adolescentes de John. Com cerca de cinquenta anos, era um homem pequeno com uma cabeça descomunal e um rosto de boneco de madeira, completado por uma elaborada cabeleira prateada.
bruno
Bruno Koschmider
A história mais famosa da Reeperbahn, que corria pelos pubs de Liverpool, era que se podia ver uma mulher sendo trepada por um jumento com uma arruela ao redor do pênis para restringir a penetração. Embora tudo isso não passasse de um mito, St. Pauli tinha bastante coisa para chocar e assombrar. Antes de tudo, havia toda a nudez legendária. Em alguns lugares, podia-se ver homens e mulheres fazendo sexo aos pares, trios e até quartetos. Em outros, podia-se ver mulheres nuas lutando num tanque de lama, animadas por homens de negócios gorduchos com aventais para proteger dos respingos. Nos inúmeros Schwulenladen (bares de homossexuais) como o Bar Monika (mapa abaixo) ou o Roxy Bar, podiam ver homens praticando Blasen (felação) um no outro ou encontrar travestis masculinos tão belos que só revelavam o “grande segredo” nos estágios finais da intimidade.
A burocracia germânica e a preocupação pelo bem-estar da juventude eram tão evidentes quanto às luzes de néon. Para desestimular o crime organizado, cada cafetão só podia explorar duas prostitutas com atestado médico. O mais relevante para os Beatles, era que havia um toque de recolher às dez da noite, obrigando todos os menores de dezoito anos a deixarem a área. Portanto, como tinha dezessete anos, cada música tocada por George Harrison a partir daquele horário, era ilegal. A Herbertstrasse, rua onde as prostitutas ficavam expostas em vitrinas, era protegida da visão geral por uma cerca de madeira.
cerca
Cerca de madeira da prostíbula Rua Herbertstrasse
Muitos lugares, como o Kaiserkeller, eram bares normais, bem maiores do que qualquer pub de Liverpool, onde milhares de marujos de todas as partes e o pessoal das bases americanas e britânicas da OTAN se reuniam antes e depois de frequentarem os prostíbulos. Os garçons de Reeperbahn eram famosos pela dureza e crueldade. Quando as brigas começavam, o que estava sempre acontecendo,  um esquadrão de garçons largava suas bandejas e anotações e partiam para cima dos culpados, sacando porretes com pesos de chumbo de suas jaquetas brancas. O próprio Bruno Koschmider andava com a perna de uma velha cadeira de madeira dura e cheia de nós, que ele mantinha escondido sob a calça. Quando o prejuízo era maior do que o normal, os desordeiros eram levados ao escritório do patrão para um prolongado castigo. Quando a vítima estava amarrada e impotente, Koschmider entrava com sua perna de cadeira antiga.
rory
Rory Storm and the Hurricanes (banda de Ringo) em frente ao Kaiserkeller
Mesmo para os padrões ingleses, o consumo de cerveja entre os alemães era cada vez maior e logo os aventureiros de Liverpool estavam competindo com os melhores deles. Não era a quente cerveja a que estavam acostumados, mas chopp gelado sob pressão servido em copos compridos e finos com bordas douradas que, na Inglaterra, só eram usados em bares de coquetéis de classe. Depois de noventa minutos de interpretações frenéticas no palco, a sede que tinham era quase ilimitada. Qualquer freguês para quem tocavam um pedido demonstrava sua gratidão mandando uma cerveja gelada para cada um. No final da noite, a borda do palco estava sempre repleta de copos semi-vazios. Tocar e beber nestes níveis ocasionou um cansaço como nenhum deles havia experimentado antes. O pessoal amigo do Indra apresentou-lhes o Preludin, um comprimido de emagrecimento vendido livremente em qualquer farmácia, e bem mais estimulante do que os inalantes nasais, fazendo o metabolismo funcionar a quase o dobro de sua velocidade normal. Um efeito secundário era deixar os olhos esbugalhados, acabar com a saliva e assim redobrar a sede de cerveja gelada.
cerveja
Quando chegaram a Hamburgo, George era o único dos cinco que era virgem. Sexo era o principal entretenimento da Reeperbahn. À medida que ganhavam fãs nos bares em que tocavam, se viam assediados por convites de frequentadoras, garçonetes, dançarinas e strippers que visitavam o clube após uma noite de trabalho. A abordagem era feita de maneira informal e direta: uma interessada num dos garotos indicaria sua escolha apontando ou às vezes estendendo o braço no meio de uma apresentação para tocar em suas pernas. Muitas dispensavam até essas formalidades, indo diretamente aos sórdidos aposentos dos Beatles no Bambi Kino – um cinema pornô usado, precariamente, como dormitório -, achando o caminho até atrás da tela e esperando numa das camas encardidas até a volta de sua presa. Como lembrou Pete Best, tais encontros em geral ocorriam numa escuridão total, a garota sequer sabendo que Beatle era aquele e ele nunca vendo sequer o rosto dela.
sex
Propagandas sexuais na Reeperbahn
Viver tão próximos uns dos outros significava, entre outras coisas, fazer sexo sem privacidade nenhuma. Quando George finalmente perdeu a virgindade, John, Paul e Pete estavam todos no mesmo quarto e, conforme lembraria, “aplaudiram e deram vivas no final”. Segundo as recordações de Paul, “eu entrava no quarto e topava com John e via uma pequena bunda subindo e descendo e uma garota embaixo dele. Era perfeitamente normal, a gente dizia ‘que merda, desculpe…’ e saía do quarto”. Pete Best, sendo ele próprio um praticante acima da média, ficava espantado com a capacidade de John e que ainda lhe sobrasse libido suficiente para se tornar um conhecedor das espetaculares “revistas-de-punheta” que circulavam pela Reeperbahn.
bambi
Paul e John no Bambi Kino
Embora ainda não fosse o reduto de gangues violentas racialmente dilacerado que se tornaria, em 1960 St. Pauli ainda era um lugar bastante perigoso. A Polizei (polícia) podia ser escrupulosa ao verificar documentos e emitir atestados médicos, mas pouco se importava com os graves danos físicos infligidos toda noite por porretes, facas, socos-ingleses e pistolas de gás lacrimogêneo. No entanto, graças a uma lei não escrita, contanto que observassem algumas regras básicas, os garotos de Liverpool estavam imunes a essa violência. Gentis garçons cuidavam deles, dizendo aonde podiam ou não podiam ir, com quem ser simpáticos e identificando os durões cujas namoradas eles fariam melhor em deixar de lado. Brigas terríveis estouravam à volta deles, deixando-os livres do perigo. O mais assustador, porém, em todas as confusões embriagadas pelas quais passaram, ninguém jamais lhes cobrou pela recente morte de seus conterrâneos ali. As provocações “antinazistas” que John fazia no palco não eram entendidas ou eram levadas na brincadeira.
policia
As poucas horas que lhes restavam após tocar e dormir eles passavam sobretudo na rua, vagando de bar em café e de porta em porta com os turistas sexuais, cambistas e ciganos que vendiam de tudo, de livros de sacanagem a diamantes. Perto de Reeperbahn havia uma loja de música chamada Steinway que estocava uma impressionante coleção de guitarras e amplificadores americanos e oferecia planos de venda a prestação tão acessíveis quanto os de Liverpool. Ali John topou com a guitarra dos seus sonhos, uma Rickenbacker Capri 325 com dupla reentrância, a guitarra que ele gravaria seus grandes primeiros sucessos. Embora teoricamente ainda estivesse pagando por sua Hofner Club 40, ele se endividou outra vez para ter uma Rickenbacker, com acabamento “natural” branco-marfim.
John e sua Rickenbacker Capri 325
John e sua Rickenbacker Capri 325
Com sua poderosa nova “arma”, John voltou muitas outras vezes para Hamburgo, o lugar que moldou a sonoridade, o visual e a postura de palco dos Beatles. Hamburgo serviu, além de todas as aventuras vividas, como um grande ensaio que os fez evoluir como músicos e artistas. A cada temporada eles iam conhecendo pessoas importantes para a banda em Hamburgo, como Astrid Kirchherr – que mais tarde inventaria o “corte de cabelo Beatle” – e Klaus Voormann, o criador da arte gráfica do LP Revolver, e perdendo outras, como Stuart Sutcliffe, que morreu de hemorragia cerebral aos 21 anos de idade. Junto com a evolução musical, eles passaram a tocar em clubes maiores e a ficar em alojamentos mais dignos. Quando finalmente voltaram para Liverpool, foram recebidos com a famosa frase: “Vocês falam muito bem inglês para uma banda alemã”.
07
Fonte: Beatlepedia

Nenhum comentário:

Postar um comentário